Belém preferiu não comentar, Sócrates falou em "disparates"

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Cavaco e Sócrates no auge na cooperação estratégica PÚBLICO (arquivo)

A Presidência da República recusou ontem tecer qualquer comentário público às suspeitas avançadas por um dos seus membros da Casa Civil, mas também não as desmentiu. As suspeitas apontam para o facto de o Governo, ou o PS, estarem a vigiar os seus serviços e assessores. Já o primeiro-ministro, José Sócrates, começou por recusar falar sobre o assunto, mas acabou por alegar não poder "perder tempo a comentar disparates de Verão".

Entretanto, a informação avançada pelo PÚBLICO seria reconfirmada no final do dia de ontem pela SIC através de informações prestadas também por fontes da Presidência.

Ora, este episódio, que volta a ensombrar as relações entre Belém e São Bento, não tem as suas raízes apenas nas críticas recentes do PS à alegada intervenção de assessores de Cavaco Silva junto da equipa que redigiu o programa eleitoral do PSD. Ao que o PÚBLICO sabe, o crescente mal-estar entre Belém e São Bento começou a dar lugar à desconfiança de que o Governo de Sócrates estaria a vigiar de forma irregular a Casa Civil do Presidente há cerca de um ano e meio.

Tudo começou durante a visita de Cavaco Silva à Madeira, uma deslocação durante a qual o Presidente esteve, pela primeira vez no seu mandato, sob a constante crítica de destacadas figuras do PS. Mas o que criou mais desconforto na Casa Civil do Presidente foi o facto de o Gabinete do primeiro-ministro ter incluído na comitiva presidencial um adjunto de José Sócrates, Rui Paulo Figueiredo, sem nenhuma explicação natural. Até porque no grupo já viajava o número dois Governo e responsável pela ligação com as regiões autónomas, o ministro da Presidência Pedro Silva Pereira.

Para além do ineditismo da situação, o desconforto cresceu devido ao comportamento de Rui Paulo Figueiredo, um militante do PS e autor de um livro crítico sobre os anos em que o actual Presidente foi primeiro-ministro - Aníbal Cavaco Silva e o PSD (1985-1995). Em mais de uma ocasião, Rui Paulo Figueiredo, que o PÚBLICO tentou, sem êxito, contactar ontem na Presidência do Conselho de Ministros, ter-se-á sentado, sem ser convidado, na mesa de outros membros da comitiva, violando as regras protocolares. Ao mesmo tempo, terá multiplicado os contactos e as trocas de informação com alguns jornalistas do continente que se deslocaram à Madeira. A sua presença inesperada nalguns locais também levantou reservas e dúvidas a membros do Governo Regional da Madeira. Na altura houve quem considerasse que o adjunto de Sócrates se comportava como se quisesse escutar conversas para que não fora convidado.

Coincidências

Estas movimentações criaram na Casa Civil da Presidência a ideia de que pessoas ligadas a José Sócrates estariam interessadas em saber mais do que a agenda pública do Presidente. Uma ideia que perdurou. Desde o episódio na Madeira que os colaboradores de Cavaco agem com mais preocupação face aos riscos de toda e qualquer fuga de informação.

Foi neste quadro que a crispação relativamente a Rui Paulo Figueiredo aumentou em Outubro de 2008. Numa altura em José Sócrates se recusava a comentar os fundamentos do veto de Cavaco Silva ao estatuto dos Açores, o adjunto do primeiro-ministro criticou o Presidente da República num blogue onde escreve (http://camaradecomuns.blogs.sapo.pt/). Figueiredo foi requisitado, em 2005 por Sócrates ao Ministério da Administração Interna. Também já desempenhou funções autárquicas em Lisboa.

O vice-presidente do PSD, José Pedro Aguiar-Branco, não se quis alongar em comentários sobre a polémica em curso, mas não deixou de "constatar" uma coincidência: "Muitos portugueses e sectores já foram denunciando a asfixia democrática, afinal ela própria terá reflexo naquilo que é hoje [ontem] noticiado."

O dirigente socialista José Junqueiro, um dos visados pelo membro da Casa Civil, declarou que apenas interpelou a Presidência com base nas informações da comunicação social. E frisa que "Susana Toscano é assessora do Presidente e é candidata do PSD", usando este caso como exemplo de uma pessoa que considera que está em Belém e a colaborar com o PSD. "Limitei-me a comentar que se fosse verdade que assessores do presidente tinham colaborado com o PSD, tal era preocupante", afirmou José Junqueiro ao PÚBLICO. E prosseguiu: "Considero excessivo que um colaborador de Cavaco Silva venha dizer o que diz e levantar a questão da vigilância e dizer tonterias, sem dar a cara." José Junqueiro mostrou-se convencido de que estas acusações não partem do Presidente, mas "de colaboradores que se comportam como zelotas".

Por sua vez, Vitalino Canas, dirigente socialista que também era visado pelo membro da Casa Civil, declarou que "as acusações são caricatas", embora "compreensíveis na silly season".

O ex-candidato presidencial Manuel Alegre põe em causa a existência de vigilância aos serviços da Presidência da República. "Não me passa pela cabeça que o PS ou alguém do PS esteja a exercer vigilância sobre o Presidente, esta é uma acusação gravíssima." Abordando a questão inicial, ou seja, as críticas de dirigentes do PS à eventualidade de haver assessores de Cavaco Silva a colaborar com o PSD, Manuel Alegre considera que "nada proíbe um assessor do Presidente de colaborar com o programa do PSD, mas quem o fizer deve estar consciente que corre o risco de comprometer o Presidente". Manuel Alegre afirma ainda que "o Presidente não deve envolver-se nem ser envolvido na disputa eleitoral", uma vez que "o confronto do PS é com o PSD".

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