BE chega a acordo com Governo para dar contrato a falsos estágios e bolsas

Bloquistas e socialistas confirmam novas “medidas de combate aos falsos recibos verdes e a outras formas de dissimulação do contrato de trabalho”. PCP diz que ainda não há acordo.

O Bloco de Esquerda confirmou que chegou a mais um acordo com o Governo, e novamente no âmbito do combate à precariedade, uma preocupação partilhada pelos comunistas. Desta vez, a conquista passa por alargar o reconhecimento de um contrato de trabalho não só aos falsos recibos verdes, mas também aos falsos estágios, falsas bolsas e trabalho informal.

O deputado bloquista José Soeiro explica ao PÚBLICO que se pretende alargar "o âmbito da acção especial do reconhecimento do contrato de trabalho", o que significa que passam a ser abrangidos pelo novo mecanismo de reconhecimento do contrato não só os recibos verdes, como os falsos estágios, as falsas bolsas e qualquer tipo de trabalho informal. "A ACT faz a acção inspectiva e comunica à empresa e ao Ministério Público [MP]. Se a empresa não regularizar a situação, o MP fica responsável pelo impulso judicial de reconhecer aquele contrato de trabalho como uma causa de interesse público. Deixa de ser uma responsabilidade imputada ao próprio trabalhador. Se a empresa não regularizar, o MP fica responsável por processar a empresa e reconhecer aquele contrato", sublinha o deputado.

Mas não só. Há uma outra medida além desta. Depois de a notícia ter sido avançada pelo Jornal de Negócios, os bloquistas fizeram chegar nesta quarta-feira às redacções um comunicado no qual se pode ler que, além daquela medida que pretende combater todo o tipo de trabalho não declarado, avançará também um “mecanismo de protecção do trabalhador precário contra o despedimento, para que, quando a Autoridade para as Condições de Trabalho [ACT]" fizer um auto de inspecção e presumir a existência de um contrato de trabalho, "o patrão não possa despedir o trabalhador, aproveitando o facto de a relação laboral ainda não estar reconhecida pelo tribunal”. 

O que acontece hoje em dia, explica ainda o BE na nota, “é que, entre o momento da inspecção da ACT e o momento da decisão em tribunal, os empregadores ‘dispensam’ os trabalhadores”. Ora, isso, prosseguem os bloquistas, “passa agora a ser ilícito quando esteja a decorrer esta acção especial de reconhecimento do contrato de trabalho”. José Soeiro diz que se pretende evitar "essa retaliação por parte das entidades empregadoras durante a acção de reconhecimento do contrato de trabalho".

Quanto a datas para estas medidas entrarem em vigor, ainda não está nada decidido, mas José Soeiro espera que o processo legislativo comece a desenrolar-se depois de este Orçamento do Estado ser aprovado. "A nossa expectativa é que no início de 2017 [nos primeiros meses] possa haver uma lei aprovada", afirma o bloquista. Confirma ainda que o Governo pretende informar os parceiros da Concertação Social sobre estas medidas, mas frisa que elas "resultam de um acordo entre BE e Governo no âmbito de um grupo de trabalho" dedicado ao tema.

O desacordo sobre o acordo

A deputada Rita Rato, do PCP, confirmou ao PÚBLICO que os comunistas continuam empenhados no combate à precariedade, mas ressalvou que ainda na terça-feira estiveram reunidos com o executivo e não havia ainda um acordo concluído sobre estas propostas. “A discussão continua a decorrer com o Governo sem que se possa dizer que há para já qualquer acordo, porque há aspectos importantes cuja solução não está concluída”, diz Rita Rato. E acrescenta: “O PCP continua a bater-se para que em relação aos falsos recibos verdes, estágios, bolsas e outras formas de trabalho precário se protejam os trabalhadores e se garanta um vínculo efectivo."

Só que, além do BE, também o PS diz haver acordo. O deputado socialista Tiago Barbosa Ribeiro, que já o tinha confirmado ao Jornal de Negócios, escreveu no final da tarde desta quarta-feira uma publicação no Facebook na qual se lê o seguinte: “Face às notícias de hoje, posso confirmar que chegámos a acordo para mais uma importante medida de combate à precariedade, alargando a lei 63/2013 a todas as formas de trabalho não declarado, incluindo (falsas) bolsas e (falsos) estágios.”

O deputado afirma ainda que “será também criada uma protecção especial para os trabalhadores precários, impedindo o seu despedimento (ou cessação da modalidade atípica) no período que decorre entre a acção inspectiva da ACT e a decisão do tribunal”.

O deputado acrescenta que “a lei será levada pelo Governo à concertação”. E elogia o entendimento alcançado: “Este acordo resulta do intenso trabalho que temos feito com os partidos que apoiam o Governo, dinamizando a agenda do PS em matéria de combate à precariedade. Aqui se inclui o grupo de combate à precariedade (Governo/PS/BE), constituído formalmente e que em breve apresentará um relatório, bem como as reuniões de trabalho com o PCP que têm tido resultados muito positivos.”

Ao contrário do que as tensões entre comunistas e bloquistas sugerem, o socialista vem tentar acalmar as hostes: “Temos conseguido a convergência em torno do fundamental e assim continuaremos, progredindo de forma inédita em matéria de legislação laboral. Não resolvemos todos os problemas, é certo, mas paulatinamente vamos construindo um país mais decente. É exigente e é certamente mais moroso do que desejávamos, mas há um facto incontornável: tem valido tudo a pena.”

O Jornal de Negócios já tinha também obtido a confirmação sobre este acordo do Ministério do Trabalho: “o reconhecimento de falsos contratos de trabalho e o combate à precariedade é uma preocupação comum do PS, BE e PCP. Foi discutido entre todos e foi objecto de uma posição comum no grupo de trabalho constituído pelo PS e BE”.

“Avanço assinalável”

O movimento dos Precários Inflexíveis também já fez chegar um comunicado às redacções no qual se congratula com as medidas em causa, nomeadamente com o alargamento da lei de combate aos falsos recibos verdes aos falsos estágios, falsas bolsas, trabalho temporário e informal.

“Os mecanismos para reconhecimento do contrato de trabalho vão ser alargados e melhorados, no sentido de garantir mais eficácia na regularização das situações ilegais e protecção aos trabalhadores”, lê-se na nota.

“Embora seja necessário conhecer a proposta concreta, as medidas agora anunciadas são avanços muito relevantes e correspondem a princípios que defendemos e com os quais desafiámos o Governo e as forças políticas”, escrevem ainda estes activistas, sublinhando o “avanço assinalável” de alargar os mecanismos de regularização “a todas as formas de trabalho não declarado”.

Estas medidas resultam do alargamento de uma lei de 2013, que foi fruto de uma iniciativa legislativa de cidadãos, dinamizada pelos movimentos de precários, lembra o Bloco no comunicado de imprensa.  

O BE tinha anunciado, na semana passada, que chegou a acordo com o Governo para concretizar novas medidas que mexem, por exemplo, com o regime de contribuições destes trabalhadores para a Segurança Social. O Governo disse, depois, que o assunto não estava completamente fechado e o PCP fez questão de deixar claro que a exigência de um novo regime contributivo para estes trabalhadores foi uma proposta sua, já incluída no Orçamento do Estado de 2016 (a preocupação era, e é, transversal aos três partidos – PS, BE e PCP).

As duas questões – as mudanças em relação ao regime contributivo dos trabalhadores independentes e outras medidas anunciadas na passada semana e as medidas avançadas nesta quarta-feira – são, porém, distintas (ainda que ambas pretendam combater a precariedade). E são distintas também, porque, no primeiro caso, as propostas serão levadas pelo BE à discussão deste Orçamento na especialidade e, no segundo caso, não. Como diz José Soeiro, espera-se que o processo legislativo avance depois de o Orçamento ser aprovado.

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