Jaime Nogueira Pinto: “Bater no fundo é optimista, sabe-se que depois subimos”

O desfasamento entre a qualidade da população e dos seus representantes políticos é um problema que Jaime Nogueira Pinto aponta como origem da actual crise.

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Jaime Nogueira Pinto Rui Gaudêncio

“Não sei se estamos a bater no fundo, bater no fundo é optimista, sabe-se que depois subimos”, declarou ao PÚBLICO Jaime Nogueira Pinto, comentando a situação de crise que o país atravessa, a propósito do lançamento do seu último livro “Portugal Ascensão e Queda”, editado pela D.Quixote/Leya.

Advogado e professor universitário, Nogueira Pinto defende mesmo que “não há buracos cósmicos” e que Portugal é “uma nação muito antiga” havendo “ energias que permanecem”. É com optimismo na voz que afirma que “mesmo com esta crise toda, há gente a fazer coisas boas e bem-feitas em Moçambique e em Angola”.

E conta: “Recentemente vi, numa praia de Angola, portugueses a almoçar, em conjunto com as famílias, e angolanos, com as suas famílias, como se estivéssemos numa praia de Algés ou Dafundo. Há malta a ir e a fazer coisas, como era a malta das caravelas e das trincheiras, estão a ganhar a vida, com as famílias. É muito interessante ver essa gente. E não estou a mitificar. Não vemos isso numa praia de Dakar, franceses a almoçar e a conviver com senegaleses.”

Plasticidade portuguesa…

Nogueira Pinto considera que os portugueses têm “uma fortíssima identidade nacional mas também mimetismo e cosmopolitismo”, características que resume num conceito: “Temos plasticidade. É esta plasticidade que nos dá a grande capacidade de adaptação.”

Por isso, considera que não há um problema com o país nem com o povo. O problema é outro: “Temos é a liderança de umas burguesias arrogantes, umas burguesias do ser e parecer. A liderança tem a obsessão de parecer. Eça e Camilo já criticavam isso. Imitamos o que não somos e temos grandes capacidades que só descobrimos quando estamos fora.” E conclui, exemplificando: “Vê-se o Luxemburgo, a maioria dos trabalhadores são portugueses, são fantásticos e têm alta produtividade. O enquadramento é que importa, com chamamento os portugueses fazem tudo.”

O problema da falta de lideranças é algo que diz não ser de agora. “Lemos os pensadores do século XIX, Oliveira Martins, Antero, Eça e Camilo, todos são muito críticos e pessimistas sobre Portugal”, lembra Nogueira Pinto, acrescentando que “todos defendem que o país chegou ao fim com aquela classe política, fazem uma crítica radical aos políticos”.

E estabelecendo paralelos com a actualidade diz que, “no século XIX, a ideia era de fim de época pela subordinação aos ingleses e pelo Ultimatum”, enquanto “agora é a entrada da troika” e a existência de “um protectorado informal”. E, sobre a situação actual, remata: “Temos cólera e revolta, mas não há nada a fazer, quem criou isto fomos nós e a fraca qualidade dos políticos, tal como já apontava a crítica do século XIX.”

Prosseguindo na sua análise, Nogueira Pinto sublinha que “o povo português é sempre considerado bom, mas os líderes não, a não ser os heróis do século XV e XVI”. Defendendo que “o povo português bem guiado faz o que não faz sem líderes”, insiste em que há “um sentimento comum ao século XIX, a ideia de que a decadência não vem do país nem do povo mas de uma má direcção.” E acrescenta que esta “ideia de que o povo é bom e as elites são péssimas é comum à esquerda e à direita.”

Já sobre o seu livro em que reflecte sobre a actualidade tendo como pano de fundo a história do país, explica que recentemente publicou ”Ideologia e Razão de Estado – Uma História do Poder”, uma obra para a qual refez parte da sua tese de doutoramento. Já a parte da tese que abordava a evolução das ideias políticas em Portugal, usou-a agora como base do “Portugal Ascensão e Queda”.

… e originalidades

Do que estudou conclui que “a história política portuguesa está ligada, em Portugal não há ideias próprias”, há contudo “duas originalidades”. Uma é “o enquadramento político das descobertas”. Já que, enquanto “os Estados europeus, a Holanda, a Inglaterra, a França, a Bélgica, nas aventuras coloniais praticam o imperialismo”, Portugal não o fez e “não ficou nada” das “quatro fortunas” (especiarias, ouro, diamantes e café).

A segunda originalidade tem a ver com que “sempre que o que vinha da Europa implicava com a independência, era rejeitado. E exemplifica: “No final do século XIV a Europa é internacional, os reis vão de uns reinos para os outros ao sabor de casamentos, nós recusámos um rei espanhol.”

Feito de raiz para este livro foi a introdução, sobre a ideia de decadência a partir de Spengler. Aprofundou, em relação ao século XX, “a explicação sobre a razão de Estado que levou Salazar a passar a ideologia para segundo plano, na Guerra de Espanha e na Segunda Guerra”.

Escreveu de novo também a análise e a reflexão sobre o momento actual. Um capítulo onde reflecte sobre as últimas opções políticas do país. “Fomos resignados para a Europa, numa altura em que a Europa tinha entrado em decadência”, defende, advertindo: “Atenção que decadência não é só nós decairmos, é os outros povos ascenderem.”

E fez um capítulo novo sobre Sebastianismo, “o messianismo português que à semelhança de todos os messianismos assenta na ideia de que a terra está corrompida mas há-de vir um rei salvador”. E adverte que, “como lembrava Borges de Macedo, o sebastianismo não é derrotismo, os Dons Sebastiões que surgem em Portugal no seculo XVI e XVII são rebeldes, revolucionários, que lutam pelo impossível”.

O mito sebástico desenvolve-se em Portugal depois da perda da independência, em 1585, em Alcácer Quibir.” Há uma época de ouro, um século, entre Ceuta (1415) e a morte de Afonso de Albuquerque (1515)”, defende Nogueira Pinto, precisando que “há um grupo de figuras que são heróis indiscutidos que qualquer português aceita: Nuno Álvares, Infante Dom Henrique, Vasco da Gama e Afonso de Albuquerque. Tirando Nuno Álvares, são todos internacionais. Depois, há outros heróis, mas são nossos heróis e demónios de outros, o exemplo são Salazar e Cunhal.” E conclui: “Depois desse período de ouro entramos na normalidade e os portugueses tem dificuldade eme viver com a normalidade.”

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