Basílio Horta: "PS deve chamar PSD, CDU e CDS para o Governo assim que ganhar as eleições"

Basílio Horta defende o apoio ao actual líder do PS e que um Governo minoritário depois de eleições seria "um suicídio".

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Basílio Horta Miguel Manso

O novo autarca de Sintra admite a necessidade de levar à Inspecção-Geral de Finanças, ao Tribunal de Contas e à direcção-geral que tutela as autarquias locais, um caso que a nova gestão camarária encontrou numa empresa participada.

Teve muitas surpresas, ao assumir este cargo?
Não sei se a expressão “surpresa” é a mais indicada. Deparei com problemas de natureza mais séria e profunda do que inicialmente se suporia.

E que problemas eram esses?
Em primeiro lugar, problemas relacionados com a pobreza. Há índices de pobreza muito elevados no concelho, que passam por deficiências alimentares muito graves, por carências no domínio da habitação social, da compra de medicamentos. É uma situação mais grave do que pensava. Por outro lado, numa câmara tão grande, com tantas entidades a prestar serviços, é também natural, embora não previsível inicialmente, que surjam questões relacionadas com a prestação de serviços e com necessidades de clarificação.

São “esqueletos no armário”, eventualmente susceptíveis de participação ao Ministério Público (MP)?
Houve entendimentos na prestação de alguns serviços que podem ser objecto de discussão e, na minha análise, podem ser objecto de discordância em relação aos procedimentos adoptados.

Mas até agora não encontrou situações que justifiquem uma auditoria financeira ou uma participação ao MP?
Até agora, não encontrei nenhum caso que justificasse uma participação ao MP, mas é muito provável que tenhamos necessidade de participar à Inspecção-Geral de Finanças, ao Tribunal de Contas e à direcção-geral que tutela as autarquias locais uma situação de  prestação de serviços que encontrámos — vai depender de uma deliberação do conselho de administração de uma empresa participada, cujo nome não gostaria de dizer.

Fez cessar um número elevado de contratos de avença com prestadores de serviços. Havia um recurso abusivo a avenças para benefício de pessoas com vínculo partidário?
Não gosto de fazer esses juízos éticos. Foi necessário avaliar, de um lado, a necessidade de criar um gabinete de emergência social financiado por um fundo de emergência social. A forma de o fazer era aumentar os impostos e taxas da câmara ou cortar despesa. Foi a cortar despesa e dando corpo a essa prioridade que entendemos terminar uma grande maioria de recibos verdes e avenças que não eram prioritárias.

Quantos?
Só na câmara 75. Depois temos os SMAS e as empresas municpais, que são a HPEM (higiéne pública), a Educa e a Sintraquorum. No conjunto de toda a câmara, com serviços municipalizados e empresas, serão uma centena e [a poupança] deve ultrapassar um milhão de euros anuais. E ainda não está fechado.

Há pouco, mencionou o desejo de não aumentar impostos. Na semana passada, António Costa anunciou que vai ser obrigado a aumentar taxas em Lisboa. Em Sintra vai ter de recorrer a essa solução?
Não aumentarei nem taxas, nem IMI, nada disso. Pelo contrário, há uma taxa que foi diminuída, que corresponde a uma promessa eleitoral minha, para as PME que têm reclamos que iluminam a via pública à noite. Já está aprovado que ficam isentas das respectivas taxas.

Já se queixou da exiguidade dos prazos legais para concretizar a fusão das empresas municipais. Vai cumprir o que está previsto?
Vamos ter de mudar de solução. A do anterior executivo era juntar as empresas todas, pondo os SMAS de fora. O critério que a lei exige, de sustentabilidade empresarial, dificilmente seria garantido. Aliás, o TC fez várias perguntas à câmara sobre esta solução e [ela] não respondeu.

Não se irá então para a fusão?
Temos de alterar. Creio que é cedo para anunciar a solução, sem que ela vá aos órgãos competentes da câmara. Já tenho uma solução prevista, mas é cedo para anunciá-la. A ideia é ficar uma única empresa municipal e depois haver uma internalização de serviços das outras.

Sem despedimentos?
Sem despedimentos de pessoal.

E o cumprimento dos prazos?
Vamos tentar tudo para que essa solução seja aprovada até ao fim do ano.

Qual é a dossier que mais o preocupa na gestão da câmara?
Neste momento, é a HPEM, que se ocupa dos resíduos sólidos numa parte do concelho.

E essa preocupação resulta de quê?
De uma necessidade de análise da prestação dos serviços, análise jurídica e legal, e de custos, e, consequentemente, de decisões que nesse âmbito têm de ser tomadas. Não gostaria de adiantar mais sobre essa matéria.

Por que é que a Câmara de Sintra exerceu o direito de preferência para comprar o Hotel Netto, contrariando uma decisão que subscreveu em Setembro, e que previa que isso fosse feito pela sociedade Monte da Lua, de que a câmara é accionista? Não é falta de lealdade institucional?
O professor Lamas, que é presidente da Monte da Lua, respondeu a isso de forma lapidar. Ele disse: “O que é importante é que aquela ruína deixe de ser ruína. E se a câmara entende que o pode e deve fazer, o que é importante é que o faça.” Enquanto presidente da câmara, não poderia consentir — era a minha vontade; é evidente que se o colectivo entendesse de forma diferente, seria como o colectivo entendesse — em abdicar da intervenção nesse local. É um símbolo do passado e da cultura de Sintra, onde Ferreira de Castro escreveu grande parte da sua obra, e pode ser um hostel de juventude, sendo que a câmara, no coração de Sintra, praticamente não tem nada. Faço parte de um novo executivo. Nunca dei instrução nenhuma a nenhum representante da câmara na Monte da Lua para votar de uma forma ou de outra. E fiz uma análise exclusiva dos interesses do meu concelho, em função destes objectivos.

Mas a Monte da Lua já tinha assegurado o financiamento bancário dos 600 mil euros necessários para comprar o imóvel, e já tinha garantido o financiamento para a sua transformação num hostel.
Tudo isso é excelente.

A câmara vai utilizar recursos próprios quando a Monte da Lua já tinha esse problema resolvido?

Não. Em relação à compra do imóvel, a Monte da Lua não tinha financiamento para comprar. Não precisava. A Monte da Lua tem 600 mil euros e a Câmara de Sintra também tem.

Mas havia um acordo bancário.
Isso seria para as obras de recuperação do Hotel Netto, estimadas em cerca de dois milhões de euros. Dos quais 50% são cobertos por um contrato com o instituto de habitação, em que há verbas europeias para a requalificação. E, portanto, há metade deste financiamento que será aplicado. A Monte da Lua já tinha esta solução e a câmara assumirá o lugar da Monte da Lua. O resto será executado pela câmara. O que se vai fazer depois é conceder a exploração do hostel a entidades que o queiram e possam fazer. O que desejo é que todo o processo seja acompanhado pelo professor Lamas. Nós não estamos em contradição, estamos em conjugação. Mas é preciso perceber que, quando a Monte da Lua tem o Palácio da vila, o Palácio da Pena, a casa da condessa d’Edla, o Convento dos Capuchos — as jóias da coroa de Sintra —, com certeza que não leva a mal.

Por que é que optou por fazer um acordo com o PSD e a CDU, na câmara, e deixar de fora os independentes?
Mas isso não significa que eles não estejam bem informados, não sugiram, não critiquem. Para mim, já só há sintrenses. O dr. Marco Almeida [lider do movimento independente que ficou em segundo lugar nas eleições] é muito bem-vindo. Aliás, tem gabinete e dois assessores. E encaro-o como uma voz útil para nós. Agora, por que não dei pelouros ao dr. Marco Almeida? Porque foi doze anos vice-presidente da câmara. Era, porventura, altura de refrescar a gestão. E eu não posso personificar uma nova etapa da câmara escolhendo a velha etapa.

Mas o senhor conhece o distanciamento que existe entre PS e PSD a nível nacional. Como é que trabalham com um partido o PS que tanto critica?
Eu acho que é uma conduta exemplar, minha e do PS-Sintra. Eu, como sou independente, posso dizê-lo. E estou convencido que, depois de eleições, se o PS não tiver maioria absoluta, fará governos maioritários.

A nível nacional, com o PSD?
Depois de eleições, fazer um Governo minoritário é suicídio, perante o país que temos e a situação em que estamos. Eu fiz aqui aquilo que o PS, no futuro, vai fazer. Só me antecipei. [risos]

E depois deste período de constante recusa do PS em negociar, acha que o PSD aceitaria uma coligação pós-eleitoral?
O PSD, desde o primeiro momento deste Governo, cometeu um grande erro. Assim que foi eleito, devia ter convidado o PS para o Governo. O erro corrige-se, não se repete. O erro foi não fazer aquilo que acho que o PS tem de fazer: assim que ganhar as eleições, nesse mesmo dia, chamar o PSD. Mais, devia fazer o convite ao Partido Comunista e ao CDS. Não acho que se possa prescindir de ninguém. Todos são úteis para esse contributo.

Acha exequível um governo com PSD, CDU, CDS?
No início da nossa democracia, não foi isso que aconteceu? O problema é não percebermos a gravidade da situação em que nos encontramos e mantermos uma posição como se cada um de nós detivesse a verdade absoluta, não precisando dos outros. Pode-se definir um projecto nacional, depois de ouvir todos. E a nação portuguesa — e falo de propósito em “nação” — deve tomar consciência, para assumir um esforço de independência, de competitividade e de justiça.

Essas são palavras muito semelhantes ao discurso do Presidente da República.
Fazer discurso é fácil. O mais importante é fazer. E, já agora, para se fazer esse discurso, tem de se ter uma grande independência.

Que o Presidente não tem?
Na política, as aparências não se podem ignorar. Não que eu pretenda criticar o Presidente, mas a verdade é que da imagem que o Presidente deu de si resulta que a grande maioria dos portugueses não tenha confiança.

Em contraste com Mário Soares, que exigiu a demissão do Presidente?
A iniciativa do dr. Mário Soares tinha um título: Em Defesa da Constituição. A defesa da Constituição era o objectivo. Se esse fosse o exclusivo objectivo, até eu lá estaria. As declarações do dr. Mário Soares a ele o responsabilizam. Não quero fazer mais nenhum comentário. Eu sei que, porventura, ninguém foi tão frontalmente claro como eu quando se candidatou contra ele. Mas a verdade é que ele é um símbolo da República. A democracia e a liberdade devem-lhe imenso. E tudo aquilo que ele diz, deve ser analisado à luz daquilo que lhe devemos.

Deve haver gratidão pelo facto de Mário Soares, nesta altura, assumir as suas posições, em vez de ficar em casa?
Devemos apreciar essa disponibilidade. É um lutador.

E o que é que isso diz da oposição que o PS faz ao Governo? O ex-Presidente disse que, se o PS fosse mais activo, estaria com 90% das intenções de voto?
[risos] Isso é para o dr. António José Seguro ouvir.

Que avaliação faz da liderança do PS?
Eu sou independente, não quero, não posso, nem devo, imiscuir-me em questões internas. Mas, como português, perante a situação do país e do Governo que temos, a única alternativa que eu vejo é o PS. E quem é o líder do PS é o dr. António José Seguro. Não há congresso marcado, não há desejo expresso de substituição. O que interessa é unir o PS. A não ser que se queira matar a única alternativa que nos resta.  
 
 

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