Direita abre porta à abstenção no orçamento rectificativo mas não se compromete

Banif é teste ao entendimento à esquerda do Governo. Apenas os deputados do PS deverão aprovar a proposta do executivo de Costa. Bloco, PCP e PEV devem votar contra. PSD e CDS guardam decisão para o último momento.

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Passos diz que não teria uma solução muito diferente da adoptada por Costa, mas o PSD ainda não garantiu a abstenção Daniel Rocha

Nos últimos dias, o gabinete do secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Pedro Nuno Santos, vive um suspense pouco habitual em São Bento. Quem vai aprovar o Orçamento rectificativo que acomoda as perdas do Estado com o Banif, na votação desta quarta-feira, dia 23? O PS, naturalmente, mas os 86 deputados socialistas podem não chegar. A direita adensa a incógnita.

A maioria de esquerda, que viabiliza o Governo, tem um acordo limitado. Dele não consta nada sobre a resolução do Banif. E os partidos à esquerda do PS já mostraram a sua discordância com a opção tomada pelo Executivo de António Costa. O PCP anunciou que vai votar contra, discordando da solução de transferir para os contribuintes uma fatia substancial dos encargos com o Banif. O Bloco de Esquerda colocou condições para viabilizar o documento. Contudo, se essas condições não forem satisfeitas, Catarina Martins adiantou ao PÚBLICO que os 19 deputados do seu partido votarão contra.

Sobram, então, as bancadas à direita, que podem viabilizar o diploma abstendo-se. Os deputados insulares do PSD foram os primeiros a anunciar que não se opõem. A garantia foi dada esta terça-feira pelo presidente do PSD-Madeira, Miguel Albuquerque, sem explicar se os deputados vão votar a favor da proposta ou abster-se. O diploma, continuou o presidente do Governo Regional da Madeira, “vem resolver uma situação que para nós é muito importante que é a manutenção dos depósitos no Banif e assegurar os postos de trabalho”.

O líder do PSD, e anterior primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, adiantou que se estivesse no lugar de António Costa provavelmente tomaria a mesma decisão sobre o Banif, mas não esclarecendo a posição de voto dos deputados. E esta terça-feira, o líder parlamentar do PSD, Luís Montenegro, afirmou mesmo que a sua bancada só decidirá o sentido de voto na quarta-feira "depois da audição do ministro das Finanças e do debate na generalidade". Montenegro sintetizou: "não há nenhuma antecipação do sentido de voto. Está tudo em aberto". Também os centristas só divulgarão o seu sentido de voto esta quarta-feira.

Neste caso, Passos Coelho admitiu esta terça-feira "que não teria uma solução muito diferente desta que foi adoptada na medida em que não foi possível identificar, ao longo destes anos, um comprador para o Banif”, afirmou à margem do encontro do Conselho da Diáspora que se realizou esta terça-feira na Cidadela de Cascais.

Para o ex-primeiro-ministro, a liquidação “é sempre a pior solução e foi evitada”. “O que significa que só restaria uma medida de resolução se o problema tivesse que ser resolvido até ao final deste mês”, tal como o Banco de Portugal impôs.

Passos elogiou o Banco de Portugal por “não ter precipitado demasiado cedo uma solução de resolução que podia não se justificar noutro enquadramento”, assim como o Governo de Costa, que “agiu com diligência e procurou salvaguardar – parece muito evidente – a estabilidade financeira, os depositantes do banco e os seus obrigacionistas”. Sabendo o que pensa a Direcção-Geral de Concorrência europeia sobre a resolução dos problemas do sistema bancário através de dinheiros públicos, assim como a abordagem que o Banco Central Europeu tem tido, Passos garante que não poderia, se estivesse no lugar de António Costa, ter uma “solução muito diferente”. “O que significa que eu não deixaria de fazer o mesmo [que decidiu o Governo de António Costa] até ao final deste mês porque julgo que isso salvaguarda os interesses dos depositantes e dos contribuintes em geral através do sistema financeiro. E porque a partir do próximo ano, qualquer solução que se tivesse que encontrar poderia ser mais onerosa.”

Passos apontou ainda o dedo à TVI por ter divulgado notícias sobre um alegado risco de fecho do Banif, o que levou a uma “fuga de depósitos mais intensa que tornou o valor do banco menos apetecível para potenciais compradores. Sabemos que, de alguma maneira, isso obrigou a que o Estado tivesse que assumir garantias e responsabilidades sobre o futuro que de outra maneira se calhar não teria tido obrigação de fazer."

A proposta de Orçamento Rectificativo para acomodar as perdas para o Estado resultantes da resolução do Banif foi aprovada na segunda-feira em Conselho de Ministros e é discutida e votada nesta quarta-feira, em plenário, na Assembleia da República.

E conta, como vimos, com a oposição declarada de parte da maioria que apoia o Governo. O líder parlamentar do PCP, João Oliveira, assumiu-a: "Defendemos a integração da actividade bancária do Banif na esfera do sistema público bancário, porque essa era a solução que corresponderia melhor à defesa dos interesses nacionais”.

O PCP rejeita esta solução "em que se prevê que o Estado gaste para cobrir o buraco do Banif e, ao mesmo tempo, entregue o Banif a um banco privado estrangeiro”.

A coordenadora do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, também mostrou divergências quanto à venda e à medida de resolução aplicada ao Banif. Porém, o BE não fecha a porta a um entendimento com o PS e admite viabilizar o Orçamento Rectificativo. “Se estamos disponíveis para falar de uma solução que é muito distante da que o Bloco defenderia — que o Banif ficasse dentro da Caixa Geral de Depósitos —, só podemos falar desta solução se pudermos ter garantias de que, no futuro, nunca mais se repetirá a situação de bancos privados [serem] limpos com dinheiros públicos para serem novamente entregues a privados, que saberão que, quando correr mal, podem mais uma vez contar com cheques em branco do Estado”.

Catarina Martins apresentou então duas condições essenciais para viabilizar o documento: quer ver discutida “uma nova lei para a intervenção no sistema financeiro” e “não repetir os erros e manter o Novo Banco público”. A venda do banco, diz, “está a ser desenhada para impor mais perdas aos contribuintes”. “O Bloco de Esquerda não irá assistir a casos sucessivos de bancos privados limpos com dinheiros públicos, para serem novamente entregues a privados e, portanto, é necessário que haja condições, garantias claras de uma alteração do estado de coisas”, sublinhou Catarina Martins.

Para o Bloco, esta seria a altura ideal para traçar uma fronteira sobre os riscos colocados pelo sector financeiro às contas públicas. Daí a proposta de criação de um mecanismo de resolução alternativo, subordinado ao Governo e não ao Banco de Portugal.

Mas até ao final do dia de terça-feira não havia qualquer resposta de António Costa a estas condições apresentadas pelo Bloco. O PÚBLICO sabe que os partidos de esquerda estiveram em permanente contacto nos últimos dias sobre a situação do Banif e conheciam, antecipadamente, as propostas e declarações públicas que os seus parceiros apresentaram. Os prováveis votos contra foram ponderados tendo em conta a provável abstenção de PSD e CDS que por si só garantem a aprovação do Orçamento Rectificativo.

E para o futuro contará a valer o “espírito” do acordo, resumido pelo secretário de Estado Pedro Nuno Santos numa entrevista ao PÚBLICO: “Se houver surpresas orçamentais nós queremos assumir o compromisso de que isso não vai afectar os rendimentos dos trabalhadores, dos pensionistas, que não haverá cortes nas pensões, nos salários, ou aumentos nos impostos sobre rendimentos do trabalho.”

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