Assunto encerrado

O encerramento de assuntos é de tal maneira viral no Governo que partidos da maioria que o sustenta já absorveram essa mesma “senha” de clausura problemática.

Dizem os dicionários que “assunto encerrado” é uma expressão usada para finalizar um tema, uma conversa ou um problema em matérias complicadas ou conflituosas.

Assunto encerrado”: é usando esta expressão que o chefe do Governo e alguns ministros costumam decretar o fim de qualquer imbróglio político que enfrentam. Sem mais. Assim deixam de falar no incómodo assunto, a oposição ainda resmunga, mas vai esquecendo com o decorrer do tempo, a culpa por via de osmose política dissolve-se ou é sacudida para o passado (dos outros) e até o Presidente da República deixa de comentar o sucedido. Uma arte (e manha) elogiada por uns, criticada por outros.

Lá que vem sendo eficaz, não haja dúvidas. Basta constatar as sondagens e, muito sintomaticamente, uma delas, há dias tornada pública, sobre quem era o principal responsável pelo “impasse que se gerou na CGD”. Ali se constatou que o primeiro-ministro e o Ministério das Finanças passaram entre os pingos da chuva (apenas 15% e 16% dos inquiridos, respectivamente, os indicaram), quase parecendo nada terem a ver com o assunto.

As acríticas e doces televisões lá fizeram, também, o favor de contribuir para tal, ao repetir, à saciedade, que o Governo sempre dissera que o ainda presidente da CGD tinha mesmo que respeitar a lei da entrega da declaração de património. Alguém acredita nesta “história da carochinha”, depois de ter sido aprovado um decreto-lei (ao qual faltou só a fotografia) cuja intenção (gorada) era satisfazer essa (entre outras) exigências de António Domingues? Alguém acredita que não lhe foi garantido esse requisito? O curioso é que, na tal sondagem, até há quem culpe o anterior Executivo!

Já, premonitoriamente, no início de Novembro, e a partir do Brasil, António Costa havia declarado como encerrada a polémica em torno da CGD. Enfim, neste banco “no pasa nada”…

Outros casos ficaram por ser devidamente esclarecidos e (politicamente) responsabilizados, perdidos na primazia da memória curta e no primado da omissão e do “deixa-andar”. Foi o que aconteceu com o caso dos não-licenciados-que-o-eram-no-currículo do gabinete do PM e do ministro da Educação, a demissão de um Secretário de Estado deste mesmo ministério, a situação causada pela aceitação por três Secretários de Estado de viagens pagas no Euro 2016 (neste caso, até se legislou com efeitos retroactivos para indultar a infracção ética!).

Assunto encerrado” foi também a sentença para a querela à volta dos contratos de associação com os colégios. Mesmo o prudente ministro da Segurança Social decretou que a actualização de pensões proposta no Orçamento do Estado para o próximo ano era um “assunto encerrado” para o Governo (afinal não foi, pois sempre se consideraram as propostas dos partidos da esquerda).

Aliás, esta coisa de encerrar assuntos é certamente uma das mais poderosas vias da “expertise” de António Costa. Ainda era líder da oposição e já a propósito da polémica (até dentro do seu partido), relativa às suas declarações perante investidores chineses, nas quais considerou a situação de Portugal “bastante diferente daquela em que estava há quatro anos“, viria depois a proclamar que esse tema “é para mim, um assunto encerrado”.

O encerramento de assuntos é de tal maneira viral no Governo que partidos da maioria que o sustenta já absorveram essa mesma “senha” de clausura problemática. Recordo, por exemplo, o que o Bloco de Esquerda disse, na peugada do Governo: “falsear licenciaturas é condenável, mas o caso envolvendo dois quadros do Governo […] é um assunto encerrado”.

Pronto, assunto encerrado. Ponto final. Numa boa.

 

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