Assembleia comemora 25 de Abril sem capitães mas com “gratidão”

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Antóni Enric Vives-Rubio

A sessão solene da comemoração dos 40 anos do 25 de Abril cumpre-se na Assembleia da República na manhã desta sexta-feira como manda o protocolo. Se as primeiras palavras foram de Zeca Afonso, cantadas pelo Coro Infantil do Conservatório Nacional de Lisboa, nem todos trouxeram “outro amigo também”.

Faltou à cerimónia Mário Soares, que trocou o Parlamento pelo Largo do Carmo. Mas na tribuna solene, mesmo atrás dos outros dois ex-Presidentes da República da democracia, senta-se o actual presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso. A poucos metros do novo patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente.

Mariana Mortágua, a voz que o Bloco de Esquerda escolheu para este 25 de Abril, começou por saudar os capitães de Abril: “A vossa voz merecia ser ouvida, aqui e hoje, porque é a voz de todos os que vos devem a voz. Assim se faria a mais notável democracia, sem tutelas nem complexos, juntando o passado e o presente de um país que nos exige responsabilidade da memória”.

A bloquista afirmou não faltarem “excelentes razões para festejar”, mas focou-se depois nos motivos de “desencanto” que diz haver. “Afinal, renderam a nossa democracia à ditadura dos mercados e é em seu nome que governam”. E recorreu ao latim para afirmar, qual regra jurídica ou religiosa: “Merkel locuta est, causa finita est: se Merkel falou, a conversa acabou”.

Chamando a estas regras “traição”, Mariana Mortágua ironizou com o teorema da culpa: “Culpa dos idosos que insistem em ter uma pensão (…), culpa dos desempregados que provocam despesa social, culpa dos doentes que tomam medicamentos a mais, culpa de um povo que ousou deixar de ser pobre e por isso perdeu a honradez”.

O secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, considerou que “muitas das principais conquistas de Abril foram destruídas” e que “se assiste à recuperação pelos novos e velhos senhores do capital das parcelas de domínio perdido com Abril, voltando a amassar fortunas nuns poucos”. O líder comunista dirigiu-se aos que “contemplam hoje a sua obra de destruição e fazem planos para muitas décadas de austeridade” para dizer que “o projecto de Abril inscreve-se ainda na Lei Fundamental” e que “os seus valores continuam a ter validade e actualidade”. Depois de se referir às Forças Armadas e aos capitães de Abril a quem as instituições democráticas têm uma “dívida de gratidão” – o que mereceu aplausos da sua bancada – Jerónimo de Sousa assumiu que a revolução “não foi uma revolução perfeita ou produto de uma experiência laboratorial”. Mas “muito menos foi um acto e um processo em que fosse preciso mudar alguma coisa para tudo ficar na mesma”.

A presidente da Assembleia da República – que falava quando no Largo do Carmo Vasco Lourenço fazia o discurso que o Parlamento não o deixou fazer na Casa da Democracia –, também não se esqueceu dos capitães de Abril. E até citou um, cujo nome não referiu, que destacou o papel do povo no 25 de Abril “quando todo inteiro na rua, se juntou aos militares e com eles fez a revolução vencer”.

Por isso, aponta como natural haver múltiplas comemorações, cada uma no seu sítio. “Abril celebra o exercício da política, dentro e fora das instituições, os que se lançam na crueza da luz pública para responder às exigências da democracia”, disse Assunção Esteves.

“Celebra os que se integram na cidade”, os “fazedores da história”, os “poderes legítimos”, os “cidadãos anónimos e não anónimos”, os “grupos de cidadãos”. A todos, disse, “o Parlamento recebe todos os dias”.

“A dignidade humana é a ‘regra de ouro’”, diz Seguro
A palavra gratidão foi também a usada por António José Seguro, líder do PS, para se referir aos capitães de Abril. “Sabemos bem que as palavras que aqui dissemos ficarão sempre aquém da bravura e do exemplo dos capitães de Abril. Mas é preciso dizer a palavra que melhor exprime a nossa admiração e a nossa gratidão: Obrigado Capitães de Abril. Obrigado pela vossa coragem. Obrigado pela vossa generosidade. Obrigado pelo vosso desprendimento”.

Seguro começara o seu discurso a citar Miguel Torga: “há a liberdade de falar e há a liberdade de viver, mas esta só existe quando se dá às pessoas a sua irreversível dignidade social”. Para o líder do PS, a dignidade humana “é a verdadeira regra de ouro das civilizações mais coesas e mais felizes”. E o “compromisso” e “ambição” prometidas pelo socialista.

No entanto, Seguro acha que a democracia, o Estado social e a matriz do ideal europeu “estão hoje ameaçados”. “Por governantes que prometem uma coisa e fazem outra, que não assumem as suas verdadeiras intenções nem as consequências das suas políticas”, disse. O líder do PS falou na “mão invisível” e do “pensamento único” que “empobreceu os portugueses, aumentou as desigualdades e está a destruir a classe média”.

Seguro defende, por isso, que é preciso “lutar contra esta nova cortina de ferro” na Europa, que divide o Norte e o Sul, os “bons e os maus países”.

O líder do PS assegura que “ao contrário do que alguns procuram sugerir, enquanto há vida, há sempre alternativa”, frisando que essa é também a lição do país de Abril”. E preconizou que é preciso “mudar ‘o estado a que isto chegou’, e construir um país mais próspero e mais justo”. “Este país é possível”, concluiu.


CDS lembra 25 de Novembro
Momentos antes, o CDS fez questão de dizer “que o espírito do 25 de Abril – a liberdade de todos e para todos – foi confirmado pelo 25 de Novembro". O porta-voz Filipe Lobo D´Ávila sublinhou que o 25 de Abril “não tem proprietários exclusivos ou especiais”.

O deputado considerou que Portugal “nos últimos três anos, a partir do resgate, viveu um regime de excepção”. Um tempo em que “a dependência dos credores retirou-nos autonomia política e a urgência financeira secundarizou muitos outros aspectos da nossa vida”. Por isso, o CDS compara o fim do programa de assistência financeira ao retomar da liberdade: “Estamos a poucas semanas de recuperar com dignidade, muito esforço e sacrifícios, a parcela de soberania que a dívida nos tirou. Terminar a excepção também é resgatar a nossa liberdade”. 

O dirigente centrista fez um apelo ao diálogo entre os partidos, sobretudo com o PS, contrariando o argumento de Seguro de existirem “divergências insanáveis”. O mesmo apelo foi secundado pelo líder parlamentar do PSD, Luís Montenegro. “Numa democracia madura não há divergências insanáveis quando dois portugueses ou dois partidos debatem o futuro do país”, afirmou, referindo que em questões como a reforma do sistema político ou a reforma do Estado ou ainda o Estado social se possa estabelecer compromissos. “Não enfraquece a acção política: responde à vontade popular”, argumentou.

Luís Montenegro assumiu que o seu partido “tem uma matriz ideológica”. Mas, reforçou, “não tem outra agenda que não seja o interesse de Portugal e o bem estar dos portugueses”. E à semelhança do CDS, também o líder da bancada do PSD considera que o fim do programa é resgatar a liberdade e a independência.

PSD fala do “Portugal Renovado”
Porque “Abril é futuro”, o líder parlamentar do PSD fez do “Portugal Renovado” o mote do seu discurso. “Há 40 anos saímos de uma ‘longa noite’ de ditadura. Hoje queremos sair de uma outra ‘noite’, a terceira que vivemos em 40 anos, em que hipotecamos a nossa liberdade e em que somos forçados a viver um tempo de especial sofrimento”, declarou Luís Montenegro do púlpito onde rendera o líder do PS.

“No Portugal Renovado não queremos mais noites de resgates, de troikas, de sacrifícios bruscos, de esforços-limite”, afirmou. Para a seguir responder a toda a esquerda: “Aqueles que não querem permitir que um dia Portugal volte a ‘antes do 25 de Abril’, e somos todos, têm de ser os mesmos que não querem permitir que um dia Portugal volte ao ‘antes da troika’”.

José Luís Ferreira, do Partido Ecologista Os Verdes (PEV), lembrou que nos últimos 38 anos as políticas foram de 38 anos. E referiu-se aos mercados. “O poder dos mercados não pode estar acima do poder do Estado. Os mercados estão a tentar expulsar o Estado da economia e a mercantilizar o Estado Social e os Governos têm vindo a permiti-lo”. O deputado sugere que os eleitores castiguem os partidos da maioria nas europeias.   

“Abril nada tem a ver com isto e, portanto, é justo que os portugueses penalizam em futuros actos eleitorais os partidos responsáveis pela situação. E já que o Governo não muda as políticas, os portugueses deveriam ter oportunidade de mudar de Governo”, afirmou.

Para o deputado do PEV, “Abril está a perder força”, já que “a procura da justiça social está a ser descaradamente abandonada e o Estado Social está a ser destruído”. “A fome espreita já em muitos lares portugueses”, afirmou, recordando depois um verso de Grândola: “E se em cada esquina tínhamos um amigo, agora em cada esquina temos duas pessoas sem trabalho”.

E concluiu: “40 anos depois é altura dos portugueses exigirem o reencontro com os valores de Abril e exigirem um Governo que respeite a Constituição”. 

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