As mordaças no Parlamento

Os partidos não podem ter um controlo discricionário sobre a vontade dos deputados.

Há quatro deputados do PSD a quem foram instaurados processos disciplinares. Paula Teixeira da Cruz, ex-ministra da Justiça e ex-vice-presidente do partido por ter contrariado orientações em relação às alterações à lei do aborto. Os outros três, eleitos pela Madeira, além de já terem sido destituídos dos seus cargos na bancada, estão também sujeitos a processo disciplinar. O crime que cometeram está perfeitamente tipificado: a defesa dos interesses da sua região. Claro que não será isto que a acusação irá levar à Comissão de Jurisdição Nacional, o órgão que a nível partidário irá julgar e, certamente, condenar os réus. O que nesse fórum será discutida é a violação do sacrossanto dever de obediência aos ditames e conveniências que as direcções partidárias impõem aos seus deputados, mesmo se tal violar as suas consciências ou contrariar os superiores interesses das regiões que os próprios representam.

O que fizeram então Sara Madruga da Costa, Rubina Berardo e Paulo Neves, os três madeirenses “fora da lei”? Votaram favoravelmente o Orçamento Rectificativo cujo objectivo expresso era permitir a venda do Banif, contribuindo assim para estabilizar uma instituição com peso estratégico na economia do arquipélago. Neste caso, é ainda de realçar um facto muito importante e significativo: o próprio PSD ajudou a viabilizar este orçamento com a sua abstenção, suprindo assim o défice de votos à esquerda, que foi contra, tal como o CDS. Ou seja, o sentido da votação torna claro que o PSD nunca iria travar a solução para o Banif, a qual mereceu até a concordância pública de Pedro Passos Coelho. Aqui chegados, há duas conclusões a tirar: a primeira, tem a ver com os limites do jogo político, que devia largar o paradigma do antagonismo como método de acção primordial, sob pena de descredibilizar irremediavelmente a política; a segunda, que a punição infligida aos três deputados madeirenses se resume a um mero exercício de autoridade destinado a prevenir outros actos de independência oriundos das bancadas parlamentares. 

Atenção que este não é apenas um problema do PSD! A submissão dos deputados aos directórios partidários é um problema da nossa democracia e estende-se a todas as bancadas. Este problema explica muitas das queixas sobre a falta de qualidade do Parlamento, com consequências directas na opacidade das regras de transparência, que estão a impedir o funcionamento exemplar da casa da democracia. E depois nem toda a gente está para se sujeitar às regras absurdas impostas pelos partidos para controlar a acção dos seus deputados. É verdade que os políticos não são todos iguais e que as generalizações são sempre perigosas, mas para que evitar a disseminação do discurso vazio e inconsequente do populismo é muito importante que as vozes da diferença existentes em todos os quadrantes do hemiciclo se levantem contra a mordaça imposta à liberdade de iniciativa dos deputados. A democracia agradece.

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