Sócrates ao PÚBLICO: "As imputações que me são dirigidas são absurdas, injustas e infundamentadas"

José Sócrates reage, pela primeira vez desde que foi detido no aeroporto, ao processo em que o acusam de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais. Pede que a política “fique à margem”, embora não tenha dúvida de que "este caso tem também contornos políticos”. "As imputações que me são dirigidas são absurdas, injustas e infundamentadas", diz.

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José Sócrates reage pela primeira vez à sua detenção Reuters
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O ex-primeiro-ministro foi detido na sexta-feira Reuters

Preso preventivamente desde a noite de segunda-feira, 24, e detido para interrogatório nos três dias anteriores, José Sócrates, 57 anos, esteve em silêncio sobre o caso mais mediático do país – o seu – durante cinco longos dias. Nesta quarta-feira à tarde ditou, de uma cabine telefónica da prisão de Évora, onde se encontra, uma carta ao seu advogado, João Araújo, para entregar ao PÚBLICO.

Nela, invocando "legítima defesa", diz considerar "absurdas, injustas e infundamentadas" as acusações de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais que a Justiça portuguesa lhe dirigiu. Nesse texto, de oito parágrafos, afirma que "este caso tem também contornos políticos”.

O texto começa por uma imagem que evoca o “ascetismo” filosófico: “Fora do mundo”, é como José Sócrates diz estar, há cinco dias. E logo avança para a sua primeira crítica – ao “crime” que diz estar a ser cometido contra a Justiça e contra si. Para o ex-primeiro-ministro, esse crime tem um autor: a acusação, ou seja, o Ministério Público.<_o3a_p>

De seguida, Sócrates garante que, “em legítima defesa”, irá, “conforme for entendendo”, “desmentir as falsidades lançadas sobre [si] e responsabilizar os que as engendraram”. <_o3a_p>

E é só no quarto parágrafo que aborda a questão essencial, e aquela por que aguardavam a maioria dos que seguem o seu caso. Ainda assim, Sócrates detém-se primeiro nos aspectos processuais – “A minha detenção para interrogatório foi um abuso e o espectáculo montado em torno dela uma infâmia” – para só depois falar da substância das acusações que sobre si recaem: “As imputações que me são dirigidas são absurdas, injustas e infundamentadas.” A escolha das palavras é esta. Depois dessa frase, Sócrates queixa-se da “humilhação gratuita” que sofreu com a decisão do juiz Carlos Alexandre de o colocar em prisão preventiva, uma medida de coacção que considera ser “injustificada”.<_o3a_p>

O texto tem, então, uma passagem quase sarcástica, aquela em que o homem que dirigiu o Governo durante sete anos, cinco dos quais com maioria absoluta, descobre “uma lição de vida” sobre o poder. “[O] verdadeiro poder – de prender e de libertar.” Neste texto, e nas circunstâncias que o produziram, é fácil encontrar figuras de estilo pouco habituais nos discursos políticos. O que dizer da frase, naturalmente dirigida aos que o prenderam, mas que parece ter uma ressonância quase pessoal, se lida por muitos dos que o acusavam de ser autoritário? “Não raro, a prepotência atraiçoa o prepotente.”<_o3a_p>

O final da declaração é guardado para marcar uma fronteira. “Este é um caso da Justiça e é com a Justiça Democrática que será resolvido.” Porém, Sócrates não deixa de ver aqui “contornos políticos” – mas não aprofunda o tema. A intenção torna-se clara a seguir. Sócrates agradece a solidariedade de amigos e camaradas. Exige, todavia, que a política não se misture no seu caso. “Este processo é comigo e só comigo. Qualquer envolvimento do Partido Socialista só me prejudicaria, prejudicaria o Partido e prejudicaria a Democracia.” Assim, por esta ordem. Sócrates parece dizer que não é por nenhuma grandeza retórica que pede o afastamento do PS, é porque a mistura, indesejada, entre o processo e o partido prejudicá-lo-ia em primeiro lugar.<_o3a_p>

E, no fim, uma frase que parece demonstrar o ânimo que nele têm visto, e sublinhado, os que o viram depois da detenção: do advogado, João Araújo, a Mário Soares e Capoulas Santos. Se tivesse reticências, no final, a frase soaria, quase, a bravata. Assim, é uma quase constatação: “Este processo só agora começou.”

Para já, sai à liça o advogado que nesta quarta-feira anunciou à agência Lusa que na próxima semana vai pedir a libertação do ex-primeiro-ministro, por considerar que a sua prisão preventiva é ilegal. João Araújo indicou que o recurso que irá apresentar no Tribunal da Relação de Lisboa visa a libertação do ex-líder socialista, justificando que a sua detenção está ferida de ilegalidade por "questões substanciais", que não especificou.

O advogado disse ainda que pretende fazer esta semana uma visita de trabalho a José Sócrates no Estabelecimento Prisional de Évora para "analisar a situação e o despacho do juiz" de instrução.

Entre a “bandalheira” e a “normalidade”
A situação, já se sabe, suscita opiniões muito diversas e retrato disso é o fosso entre a leitura que o actual Presidente da República e o antigo chefe de Estado Mário Soares fazem do caso. A partir de Évora, onde foi ontem visitar o ex-primeiro-ministro, o fundador do PS qualificou o caso como uma “bandalheira”, enquanto em Abu Dhabi, onde se encontra em visita oficial , Cavaco Silva considerou que “as instituições democráticas estão a funcionar com toda a normalidade”.

Apesar da multiplicação na comunicação social estrangeira de notícias sobre a detenção de Sócrates, o Presidente da República diz acreditar que a imagem de Portugal não sofrerá grandes danos. “Até há duas semanas, Portugal estava com uma muito boa imagem nos mercados externos, na União Europeia e fora da União Europeia”, começou por dizer, numa menção temporal alargada para abarcar também o caso dos vistos gold. “Estou convencido de que essa imagem não se vai alterar significativamente”, afirmou Cavaco Silva. E acrescentou: “Quem nos observa verifica que as instituições democráticas estão a funcionar com toda a normalidade no nosso país.”

Sobre o caso em si recusou pronunciar-se: "No respeito pelo princípio da separação de poderes, eu entendo que, como Presidente da República, não devo acrescentar uma única palavra sobre esse assunto."

Livre desse jugo, o histórico líder socialista Mário Soares criticou duramente o facto de o ex-primeiro-ministro estar preso preventivamente, qualificando o caso como "político" e orquestrado por "malandros". "Todo o PS está contra esta bandalheira", disse, apesar de considerar que este caso não tem "nada a ver com os socialistas". Uma declaração que contrasta com o pedido feito por António Costa para que o partido não fosse envolvido "na apreciação de um processo que, como é próprio de um Estado de direito, só à Justiça cabe conduzir com plena independência".

Sobre o encontro propriamente dito Soares usou a palavra "emoção" para o descrever: “Ficou emocionado por eu estar [a visitá-lo] e eu fiquei emocionado por vê-lo.” O ex-Presidente disse que falaram "sobre tudo", comentando que está "muito bem" e com "um moral fantástico". com Maria Lopes, em Abu Dhabi, e Lusa 
 

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