As duas políticas

Por certo em próximas eleições nenhum partido vai ganhar a maioria absoluta.

Como se sabe, “política” tem a sua origem na palavra grega “pólis”, cidade, e tem afinal o mesmo sentido de “cidadania” (de “civitas”, cidade em latim). Por isso constantemente se discute a questão da relação da ética com a política, que deviam juntar-se intimamente.

É um tema fundamental, até porque, desde Maquiavel, em teoria, surge a noção de “política” ligada ao conceito de “razão de Estado”, no sentido de luta pelo poder e pela sua conservação, conceito que não só aparece na visão amoral do florentino autor de O Príncipe, como nos “políticos” católicos do século XVI e XVII, o que prova como se pode ser contraditório, pois a política encarada por qualquer “homem religioso” (de qualquer religião) deveria ter como princípio a moral e não o fanatismo ou o utilitarismo.

O pragmatismo constantemente enevoa a prática e a clareza da interpretação, como sucedeu agora — a meu ver por parte de algumas forças do Partido Socialista, para não falar já dos partidos mais à direita do chamado “arco do poder”, como também de alguns sectores situados mais à esquerda —, com a questão das eleições europeias e as suas consequências. Cidadão independente, tanto quanto possível, reflicto sobre política como cidadão democrata ou democrata social ou socialista. Neste sentido vou dizer o que penso de toda esta baralhada a que estamos a assistir, que só tem sido aparentemente menos grave devido à força do espectáculo do futebol, atenuador dos verdadeiros problemas da sociedade. Por isso, espero com alguma curiosidade e apreensão o que se vai passar depois deste afastamento pouco honroso de Portugal da copa do Brasil. Passaremos a ver melhor a realidade?

As eleições europeias foram demonstrativas do desinteresse dos cidadãos portugueses pelo fenómeno europeu tal como se tem desenhado. Desde há muito considerei, alinhando nos anos 80 num efémero chamado “Movimento para a Europa Cultural”, que uma Europa económica, talvez melhor, economicista, consistia no maior erro que se podia realizar em matéria de União Europeia, que nos trouxe “uma grande ilusão”, para recordar o ensaio de Tony Judt, e uma grande desilusão. Entendo, assim, que a afirmação de António Costa e dos seus apoiantes (alguns, respeitáveis) e seguidores (em certos casos, simples clientelas, que procuram o regresso à ribalta da política, como jogo de poder) de que o PS não podia conviver com uma “vitória pequenina” é uma visão errada. O partido que ganhasse a este antecipadamente derrotado governo e seus partidos — que só pensaram no capital do Estado e não nos seus cidadãos (prática europeia, tendo à frente o medíocre Durão Barroso, mas por detrás outras forças visíveis e invisíveis) — poderia e deveria afirmar-se com outra força, mas nunca ultrapassaria determinado limite de vitória eleitoral, pois o que estava em causa não era tanto o seu líder (que não quero discutir), mas a participação nesta política europeia. Esta política, numa primeira fase, avançou com uma auréola de desenvolvimento e de excelência, que possibilitava a realização de todas as obras, de todos os investimentos e de todos os empréstimos, e, numa segunda, considerou que só a austeridade (não confundir com o anticonsumismo e o antidespesismo do Estado) poderia salvar o país, mesmo que à custa de uma privatização anti-social, do desemprego e do subemprego, a contrato ou sem contrato, da pobreza e mesmo da crise das classes médias (inclusive dos funcionários públicos e dos pensionistas — refiro-me àqueles que levaram a vida a trabalhar e a descontar e não os que acumularam lugares e têm uma pensão mais nutrida ou os que se puderam aposentar depois de poucos anos de serviço, num verdadeiro insulto aos que trabalharam uma vida inteira). Entendo, assim, que esta luta no PS — o partido que deveria regressar ao seu combate socialista democrático — tornou-se afinal uma luta maquiavélica e não de cidadania.

A relativa vitória do PC e do seu bloco é o resultado natural da acção de movimentos que mantêm a coerência, mesmo que se fale constantemente dos maus resultados que tiveram os países soviéticos (“o passado de uma ilusão”, de que falava François Furet). Por sua vez, não se entende o fraccionamento do Bloco de Esquerda, área já de si difícil de obter apoios, até porque constantemente se aventura em afirmações naturalmente pouco populares. Rui Tavares jamais poderia exercer qualquer força partidária, num tempo de desconfiança nos partidos, sobretudo em novos partidos. Com esta falta de coesão, muitos que não se revêem hoje no PS já perguntam: e agora em quem votar? E então Marinho e Pinto? O seu partido de agora, o Partido da Terra, começa por não existir. Todos o sabemos. Existe sim o ex-bastonário da Ordem dos Advogados, que nos merece todo o respeito e que é um homem de esquerda, de uma esquerda crítica do “arco partidário do poder” e dos tais aventureirismos da esquerda, com uma oratória à medida do “povo” e dos descontentes em geral. Estamos certos — nós que o conhecemos — que jamais Marinho e Pinto aproveitará o ensejo para entrar em qualquer aventura de direita, a que de facto não pertence e repudia, mas também é verdade que começa a amadurecer, bem à sua margem, essa direita, que só não desabrocha, como em França, porque lhe falta um líder e um partido e porque ainda tem força simbólica o 25 de Abril de há 40 anos, que se opôs a um sistema autoritarista.

Desta forma, não optando por Seguro ou por Costa, até porque não tenho de o fazer, já que não pertenço ao PS, mas lamentando a falta de oportunidade do Presidente da Câmara de Lisboa, num jogo congeminado a partir da capital, considero inadmissível que o partido que sem dúvida vai ocupar o poder em próximas eleições se afirme desta forma pouco demonstrativa da política como cidadania e sim como forma de conquista do poder, aquela que afinal se tem identificado com o que há de negativo na vida dos partidos. Assim, já nos perguntamos que nova vaga virá aí de oportunistas, de jotas, alguns que já conhecemos e que dispensamos. Se tal suceder — e espero que não — então tenhamos cautela, pois o perigo de uma extrema-direita será cada vez mais eminente.

Por certo em próximas eleições nenhum partido vai ganhar a maioria absoluta. É bom, pois, que as forças políticas e os chamados independentes dêem mostras de cidadania, pois só assim poderão lutar por uma “outra Europa” (num “outro Mundo”) e por um “outro País”. Já basta ver este através de meros símbolos de patrioteirismo sem substância, como os emblemas que os nossos governantes colocam nas lapelas. Tal como as bandeiras de Portugal que são colocadas nas janelas em tempo de campeonatos de futebol e ali se vão esfarrapando com o tempo. Ao invés deste espírito populista, a quem não passou pela cabeça — numa afirmação de patriotismo — içar a bandeira ao contrário, em sinal de pedido de socorro, como acontece simbolicamente no filme de Paul Haggis, sobre a Guerra do Iraque, e sucedeu ocasionalmente em Portugal, durante a comemoração do 5 de Outubro de 2012, ou… colocá-la numa forca, como fez o aluno de Artes da Universidade do Algarve, que, ridiculamente, alguém quis levar a tribunal? Há momentos de desespero!

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