“As democracias estão doentes”. É preciso reinventá-las?

A afirmação é de Manuel Arriaga que escreveu o livro Reinventar a Democracia. Editado há um ano no Reino Unido, acaba de chegar a Portugal.

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Manuel Arriaga Enric Vives-Rubio

Apesar de ser um crítico feroz da forma como as democracias ocidentais representam os cidadãos, Manuel Arriaga vota sempre e recusa o pessimismo. Foi, aliás, por isso que o professor visitante de Gestão das universidades de Nova Iorque e Cambridge escreveu o livro Reinventar a Democracia, editado em Portugal no início deste mês. A criação de um “parlamento de cidadãos”, escolhidos por sorteio, é apenas uma das propostas. Apesar de dizer que as “democracias estão doentes”, acredita que é possível uma mudança.

Sempre se interessou por política, mas nunca militou em nenhum partido. “Aos 17 ou 18 anos fui a duas ou três reuniões, quando o BE foi formado e quando Miguel Portas se candidatou pela primeira vez pelo BE ao Parlamento Europeu. Mas nunca fui do BE nem nunca tive qualquer envolvimento posterior com qualquer partido”, garante. A motivação para escrever o livro foi outra.

Manuel Arriaga tem 34 anos e vive entre Lisboa, Cambridge e Nova Iorque. Formou-se em Economia na Universidade Nova e é doutorado em Gestão pela Universidade de Nova Iorque. Foi precisamente quando terminou o doutoramento que decidiu avançar para a obra Reinventar a Democracia, 5 ideias para um futuro diferente: “Em 2010, quando concluí o doutoramento, regressei à Europa, a Inglaterra e comecei a vir com mais regularidade a Portugal. Isto coincidiu com a austeridade na sua versão mais virulenta e tornou-se claro para mim que não estávamos em controlo das políticas que eram implementadas ostensivamente em nosso nome”, diz.

Ressalvando que a ideia da criação de um “parlamento cidadão” não é nova, Manuel Arriaga explica que se trata de escolher por sorteio duas a três centenas de cidadãos “para cumprirem a missão” de “analisar, debater e deliberar” diferentes questões políticas: “No final do seu trabalho, as recomendações formuladas seriam apresentadas à população sob a forma de um referendo”, nota.

A “ideia central” do livro, prossegue, “é esta da deliberação cívica”. “A proposta aglutinadora é haver um parlamento de cidadãos para deliberar sobre que reformas em particular implementar”, precisa o docente.

Mas há outras ideias defendidas na obra, como por exemplo a do sistema de voto preferencial que, segundo o autor, “permitiria uma expressão muito mais rica do resultado eleitoral”. “O nosso sistema actual convida ao voto útil, o que leva a um maior descrédito das instituições políticas”, diagnostica. O autor também entende que “deveria ser possível aos cidadãos, numa situação de oposição generalizada a uma qualquer medida política adoptada, tentar travá-la”, através de referendos.

O docente sublinha ainda que é preciso pensar-se “seriamente sobre os verdadeiros custos da nossa participação em instituições internacionais nos moldes que elas adoptam actualmente”. A União Europeia em causa? “Tomo como indicativo do fraquíssimo carácter democrático dos regimes políticos que temos o facto de que, por toda a Europa continental, questionar-se a participação na União Europeia, e em particular no euro nos moldes em que as instituições actualmente adoptam, ser relegado para partidos das franjas do espectro político. Isto parece-me sintomático de democracias que não estão a funcionar como devem.”

Documentário em marcha
Na introdução do livro, Manuel Arriaga – que defende que a crise europeia não é económica, mas democrática – sublinha que a obra parte da premissa segundo a qual “as nossas democracias não estão a funcionar e precisamos de recuperar o controlo sobre o nosso futuro”.

Na conversa que teve com o PÚBLICO, o autor, para quem “aqueles que nos governam não nos representam”, resume os três factores pelos quais entende que “as nossas democracias estão doentes”. A primeira é que o mundo da política como ele existe actualmente "atrai e selecciona as pessoas erradas, pessoas que buscam o exercício de poder.” Em segundo lugar, enumera, os políticos estão sujeitos a um “processo de formatação” quando se iniciam na vida política ou entram para um partido. Por último, frisa Arriaga, os cidadãos quando votam baseiam-se em pouca informação e consideram que o voto “conta muito pouco”.

Apesar disso, este professor recusa sucumbir ao pessimismo e acredita nas “possibilidades de mudança verdadeira” na “forma como fazemos política”. “A minha visão acerca do sistema de representação que temos é extremamente negativa, agora o que eu acredito é que existem alternativas”, diz.

A este propósito sublinha que, no Reino Unido, o livro já deu origem a algumas iniciativas: “Em Inglaterra, houve um pequeno partido fundado há uns meses, com um candidato em Cambridge, Keith Garrett, que criou um partido chamado Rebooting Democracy. Perguntou-me se não me opunha ao nome, claro que não me oponho, é um prazer. Um outro leitor, Brett Hennig, fez uma espécie de manifesto com uma ideia de um projecto semelhante ao parlamento de cidadãos”, resume, adiantando que o livro também foi recomendado pelo humorista Russell Brand, editado na Grécia, além de ter originado a realização um documentário, ainda em fase de produção.

Nos últimos dois meses, Manuel Arriaga esteve com uma equipa nos Estados Unidos e no Canadá a trabalhar no documentário. Recolheram, entre outros contributos, a opinião de académicos e filmaram vários depoimentos de cidadãos que estiveram envolvidos em processos de participação cívica semelhantes aos enunciados no livro. Agora querem fazer o “contraponto” na Europa. “O nosso objectivo é que, no final do ano, pelo menos uma primeira versão esteja pronta”, diz o autor.

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