As campanhas eleitorais já não são o que eram…

Há uma espécie de concurso de mega refeições servidas em pavilhões desportivos ou tendas de casamento.

A grande novidade da campanha foi a entrada do arroz de pato nos menus das empresas de catering que fornecem as refeições aos almoços e jantares comícios com que as distritais dos partidos brindam os seus candidatos e os seus líderes.

Há uma espécie de concurso de mega refeições servidas em pavilhões desportivos ou tendas de casamento – adoptadas para a política pelo PSD de Cavaco Silva - que são uma forma de as distritais dos partidos muitas vezes medirem forças entre si.

A tradicional carne assada, de porco ou de vaca, que as comitivas eleitorais e os jornalistas comiam dia sobre dia foi destronada como rainha dos menus de campanha. Agora, além desta e do incansável bacalhau, cozinhado de diversas formas mas quase sempre moído, o pato entrou no mainstream gastronómico da política, quase sempre confeccionado com arroz. Confessemos que a modernidade gastronómica não se deve a nenhum update em estilo gourmet, mas antes ao banalíssimo facto de agora praticamente em todos os talhos se vender pato de aviário, assim como em quase todos os supermercados este estar à disposição dos fregueses congelado.

Não quero com isto dizer, em jeito de metáfora parola, que agora as campanhas sejam de aviário, se bem que as campanhas de agora, comparadas com as que vigoraram até 1991, sejam uma brincadeira de crianças, já que nesse ano em que Cavaco Silva bisou a sua maioria absoluta, a campanha eleitoral consistiu, pela última vez, numa prova de esforço físico de três semanas compostas por 21 dias de estrada pelo Portugal profundo.

Verdadeiras voltas a Portugal, feitas de automóvel, em que as caravanas eleitorais tinham intensos programas diários, com paragem em várias capelinhas, que é como quem diz terras, para que os eleitores vissem ao vivo o líder do partido, o beijassem e abraçassem. É certo que hoje os candidatos continuam a ser espremidos e lambuzados. Mas, agora, quem observa de perto as comitivas eleitorais percebe que as máquinas partidárias estão menos interessadas no contacto porta a porta, e apostam tudo em criar um bom cenário para as reportagens dos canais de televisão. Nem que, para isso, até distribuam pelo percurso os militantes e apoiantes, de modo a que os candidatos sejam devidamente interpelados e possam explicar a bondade das suas razões.

É no que se refere à passagem da mensagem dos candidatos, da propaganda, que houve um imenso upgrade. Hoje, há uma espécie de linha gourmet propagandística. Expliquemos: todas as candidaturas apostam na net. Ele é mails, é sites, é spin doctors de trazer por casa a invadirem o facebook ou o twitter. Longe do tempo em que se cativavam apoios distribuindo camisolas, canetas, chapéus, aventais, etc. Nesta matéria, o PSD ganha em capacidade de spin, mas o PS conseguiu o verdadeiro dois em um, já que além de viajar pela web não abdicou de ter jovens vestidos a preceito a distribuir canetas, réguas e blocos aos transeuntes nas ruas anunciando a chegada das comitivas. Já o BE, mais parco em recursos, tem canetas, lápis e até livros, mas para vender.

A chegada das comitivas continua a ser anunciada com música. Se dantes os carros de som começavam com horas de antecedência a anunciar a presença e a arregimentar povo amigo para saudar candidatos e líderes, hoje aos carros de som juntam-se bandas de música, com variações conforme os partidos: a coligação é mais bombos, o PS recorre a fanfaras, o BE a orquestra de sopros e a CDU a bombos e gaitas de foles.

Conclusão: as campanhas hoje não têm nada a ver, portanto, com as agendas loucas com nove e dez paragens e dois comícios seguidos, como António Guterres chegou a fazer em 1999 em Trás-os-Montes. Agora é tudo mais cénico. Tudo a pensar na fotografia e no boneco nas tvs. E as acções de rua mudaram. Já ninguém lança os candidatos no meio do povo, tipo à porta da Estação do Rossio às seis da tarde. A coisa é cuidada ao pormenor. De tal forma que as próprias comitivas tratam de assegurar que a cada paragem os militantes seguram nas bandeiras e produzem o cenário condigno, nessa nova produção propagandística a que se chama “arruadas”.

Não queremos com isto dizer que hoje os partidos recorrem a figurantes, mas perdeu-se alguma autenticidade etnográfica por assim dizer. Passos por mais que vá à Feira de São Mateus está a anos-luz de ser recebido como Santo Aníbal no Cavaquistão. Jerónimo de Sousa, mesmo continuando a ir ao Couço – dos percursos de campanha da CDU caíram a Azinhaga e o Pombalinho –, onde ainda é recebido por camponeses de mãos calejadas e ceifeiras da reforma agrária, o que é facto é que estas já não entram em transe nem choram como o faziam só de estarem ao pé de Cunhal. E Costa, por mais que entusiasme os populares em algumas zonas do Grande Porto e de Braga, está longe do glamour com que as peixeiras da Nazaré paravam a terra ao receber, beijar e dançar com Mário Soares.

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