Arranjem-me um partido liberal, sff

Este país precisa cada vez mais de um partido liberal, que não peça desculpa pelo que é e que assuma orgulhosamente aquilo que deseja.

Pedro Passos Coelho apresentou a sua recandidatura a líder do PSD e atrelado veio um novo (no sentido de velho) slogan de campanha: “Social-democracia sempre!” Assim mesmo, com ponto de exclamação e tudo. Como seria de esperar, o slogan foi intensamente parodiado – e bem. Lamento, contudo, que não tenha sido dada tanta atenção à ilustração que acompanhava o alegado regresso à social-democracia: um casal de jovens abraçados, ele de bandeira erguida, cheio de felicidade proletária, ela de cabelos ao vento, dedos em “v” de vitória, naquilo que mais parece ser um desenho roubado a um mural do MRPP. Se Arnaldo Matos acreditasse na propriedade privada, poderia telefonar a exigir royalties. Numa palavra: ridículo.

Claro que a ideia se percebe. Passos Coelho acha que o PS se encostou à esquerda e que o centro vagou. Vai daí, decidiu movimentar-se para ocupar esse centro, fingindo-se vítima dos ditames da troika e rezando para que ninguém se lembre de desenterrar as entrevistas que deu entre 2010 e 2011. É uma mensagem para consumo externo e para consumo da casa, já que dificulta a vida à oposição interna que odeia a palavra “liberal” e todos os seus prefixos. Milagre dos slogans colados a cuspo: afinal, Passos Coelho é social-democrata desde pequenino e na adolescência tinha as paredes do quarto forradas com posters de Olof Palme. Como disse, a ideia percebe-se. Mas o facto de se perceber não faz dela uma boa ideia.

Em primeiro lugar, porque é como se Passos Coelho saísse à rua vestido à anos 80 – não combina com ele nem com a imagem que dele têm os portugueses. Arriscar uma estratégia à Marcelo, dando como garantidos os votos à direita e concentrando toda a atenção ao centro, pode ser um erro trágico. Em vez de Passos se aproximar do centro, aproxima-se da imagem estafada do político que diz qualquer coisa para ganhar votos. Passos Coelho tem muitos defeitos para muita gente, mas se havia coisa de que não podia ser acusado era de esconder o seu pensamento. Aquele “Social-democracia sempre!” soa demasiado falso. É certo que o governo anterior foi pouquíssimo liberal na sua acção, mas ao menos era liberal no discurso. Só isso já representava uma revolução em relação à tradição portuguesa.

Em segundo lugar, esta postura abre espaço para a afirmação de um verdadeiro partido liberal – espaço esse que poderia ser ocupado pelo PSD ou pelo CDS, mas que não está a ser. Se Passos Coelho agora se diz social-democrata desde a mais tenra infância e se Assunção Cristas, tanto pelas convicções pessoais como pela sua prática governamental, reclama para si a herança democrata-cristã, então o espaço liberal está deserto, numa época em que me parece absolutamente essencial preenchê-lo.

É deprimente esta atitude de Passos, quase a pedir desculpa por desejar um país menos dependente do Estado e onde a liberdade de cada indivíduo seja valorizada como merece. Infelizmente, a direita parece ter assimilado a patranha do “terrível neoliberalismo”, e engolir tal tese significa ter vergonha de lutar por um Estado menor e mais eficiente, que não seja o alfa e o ómega da pátria. Mais do que isso, significa continuar a alimentar aquilo a que Charles J. Sykes chamou “uma nação de vítimas”, onde o discurso da vitimização perpétua se transforma numa segunda pele. Este país precisa cada vez mais de um partido liberal, que não peça desculpa pelo que é e que assuma orgulhosamente aquilo que deseja.

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