Apesar da crise, Portugal foi o “cão que não ladrou” na Europa

Na abertura da conferência À Procura da Liberdade, no CCB, o antigo líder da oposição canadiana disse que as convulsões económicas podem ser graves para a liberdade.

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Michael Ignatieff, escritor e professor canadiano, antigo líder do Partido Liberal do Canadá Reuters

O Estrela de Prata era um cavalo campeão que desapareceu durante a noite, apesar de bem guardado por um cão, em vésperas de uma importante prova hípica. Chamado a investigar o caso, o detective Sherlock Holmes acabou por perceber que não houve qualquer barulho durante o roubo. Nem o cão ladrou. E não o fez porque o ladrão do cavalo era o dono de ambos os animais.

Foi citando a literatura policial que Michael Ignatieff, escritor canadiano, antigo líder do Partido Liberal do Canadá e da oposição na Câmara dos Comuns entre 2008 e 2011, e actual professor na Universidade de Harvard, apontou o dedo à audiência do grande auditório do CCB para dizer que, durante a grave crise que a Europa atravessa desde 2008, “o cão que não ladrava é Portugal”. Ignatieff foi o orador da sessão de abertura da conferência À Procura da Liberdade, do terceiro encontro Presente no Futuro que a Fundação Francisco Manuel dos Santos organiza esta sexta-feira e sábado em Lisboa.

E Portugal não ladrou porquê? “Porque está integrado na União Europeia” – de onde veio parte do problema, mas de onde veio também a solução. “Há um grande ressentimento por toda a Europa, incluindo na Alemanha, sobre a natureza pouco democrática das instituições europeias”, assinalou, mas os países não lutam contra isso.

“A crise pode ser grave para a liberdade”, disse Ignatieff, lembrando que Portugal, Espanha e Grécia passaram, na sua história recente, por regimes ditatoriais, mas que, apesar das grandes dificuldades em que mergulharam nos últimos anos, não voltaram a ter regimes autoritários. Porque, felizmente, “a democracia liberal é resiliente e forte na Europa Central e do Sul”.

Sobre a Espanha, mergulhada nas últimas semanas na discussão sobre a vontade de autodeterminação – uma “forma de liberdade” – da Catalunha, Michael Ignatieff defende que Madrid e Barcelona devem chegar a acordo sobre um referendo constitucional para perguntar: “Querem sair? Sim ou não?” “O ideal seria que os tribunais encontrassem na legislação espanhola uma forma de questionar as pessoas. Não se pode mantê-las assim.” Depois da consulta popular, “concede-se a liberdade por consentimento”, acrescentou.

A escolha “é difícil”, e admite que haja quem se sinta catalão e espanhol, tal como na Escócia havia quem se sentisse simultaneamente escocês e britânico. Canadiano, Ignatieff lembrou o caso do Quebeque e realçou que no seu país também se pode sentir alguma fricção de separatismo. “Eu gosto que os países se mantenham unidos.”

O assunto – seja em Espanha ou noutro país – tem de ser gerido com cuidado, porque a “autodeterminação de uma minoria pode ameaçar a liberdade de uma maioria” e pode levar a uma secessão unilateral “que é receita para a guerra civil”, avisou o canadiano.

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