António Costa só avança no PS se Seguro não conseguir unir os socialistas

Reunião da Comissão Política do PS não foi clarificadora. O secretário-geral dos socialistas não poupou os críticos da actual direcção.

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Costa sorridente à chegada ao Rato Miguel Manso

Mantém-se o tabu de António Costa: o presidente da Câmara de Lisboa só avança para a liderança do partido se António José Seguro não conseguir unir o PS. E disse-o preto no branco na reunião da noite de terça-feira da Comissão Política dos socialistas.

O ambiente que se pressentia ao longo do dia nas hostes socialistas assemelhava-se ao de uma calmaria antes da tempestade. Depois de dias de declarações públicas, desafios e acusações entre dirigentes, a manhã e tarde seguiam silenciosas.

Algo estava para acontecer sem que ninguém o quisesse assumir. “Já bebi meio copo de whisky que é coisa que nem costumo fazer”, desabafava um socialista a meio da tarde, reconhecendo a “ansiedade” sobre o que estava para vir. A calmaria dissipou-se quando se soube que o presidente da Câmara de Lisboa, António Costa, convocara uma reunião de urgência com os seus vereadores para as 19 horas. Aparentemente para lhes dar a conhecer a sua disponibilidade de avançar para a liderança do partido.

António Costa está preparado para se candidatar a secretário-geral se António José Seguro não conseguir unir o partido. E poderá acumular essa eventual candidatura com a próxima luta autárquica em Lisboa.
Numa visita à inauguração de um centro de dia em Belém, onde esteve com o provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, Santana Lopes, o socialista manteve o mistério: “Eu estarei logo na Comissão Política do PS para ouvir o que o secretário-geral do PS tem para nos dizer. Em função do que o secretário-geral disser eu direi o tiver para dizer. Mas compreenderão que direi primeiro aos meus camaradas”.À

noite, repetiu exactamente a mesma frase à entrada da sede do PS, no Largo do Rato, onde chegou acompanhado de Francisco Assis, que se candidatou contra Seguro no último congresso dos socialistas.

A decisão de desafiar Seguro também se explicava com os novos estatutos do PS, alterados já durante a liderança do actual secretário-geral. No ano passado, Seguro fez aprovar uma revisão que fazia emparelhar as eleições para secretário-geral e o congresso às eleições legislativas. Mais precisamente, no período pós-eleitoral.

Essas novas normas entrariam em vigor apenas após o congresso seguinte à revisão. O que significava que quem ganhar as directas que se aproximam será o futuro candidato do PS às legislativas.
Mesmo havendo possibilidade de tornear esse calendário de forma extraordinária, essa hipótese era remota. Isto porque os estatutos que um congresso à margem da norma definida teria sempre de passar pelo secretário-geral, ou pela sua aprovação da Comissão Nacional ou pela vontade expressa da maioria das federações do PS.

Na reunião do Rato, Seguro antecipou-se aos críticos partindo logo para o ataque. Anunciou a sua recandidatura ao cargo na intervenção inicial da comissão política em nome de uma cultura que “nada tem que ver com a cultura do PSD”, invocando os princípios do respeito, solidariedade e lealdade.

Foi um discurso duro que visou aqueles que exigiam a antecipação das eleições internas, responsáveis — nas palavras de Seguro — pelo “ambiente de facção” que se vivia há muito no interior do PS. E que o líder acusou de enfraquecerem o PS num momento em que os portugueses mais precisavam do partido. Acusou ainda os promotores da aceleração dos calendários de “hipocrisia e cinismo”. “Não admito que nenhum combate político seja condicionado por agendas pessoais, pela mera ambição pessoal e o regresso ao passado”, afirmou na reunião.

Os ataques ao outro campo já se faziam antes do arranque da reunião da comissão política. À porta da sede do partido, dois dirigentes falavam de traição. Sem querer nomear o alvo dos ataques, Miguel Laranjeiro e João Ribeiro não tiveram pejo em ser duros sobre o que se assistira nos últimos dias. “É uma deslealdade nunca vista. Costumávamos assistir a isto no PSD, mas no PS não havia registo histórico”, atirava João Ribeiro. Miguel Laranjeiro diria o mesmo por outras palavras. “Trata-se de uma deslealdade em relação à direcção do partido e em relação ao secretário-geral. Há milhares de militantes a darem o seu melhor e não mereciam isso.

O exemplo de Sampaio

Ao longo da tarde, foram-se tornando visíveis algumas movimentações, que indiciavam a decisão de contestar a liderança de António José Seguro no Largo do Rato. Por exemplo, contactos realizados, um pouco por todo o país, para aferir apoios.

Ao que o PÚBLICO apurou, apoiantes de António Costa mandaram fazer uma sondagem para perceber qual a receptividade dos militantes ao cenário de vir a acumular as funções de secretário-geral do PS e presidente da Câmara de Lisboa. Essa sondagem foi feita em meados de Janeiro, muito antes de Costa criticar António José Seguro sobre a não participação dos deputados socialistas na comissão de reforma do Estado, ou da entrevista de

Pedro Silva Pereira à Renascença, onde defendeu a antecipação do congresso do PS. Para que os prazos estatutários sejam cumpridos, as eleições directas não poderiam acontecer antes do último fim-de- semana de Março. Mas como este coincide com a Páscoa, o natural é que sejam adiadas para o primeiro de Abril.

Ensaiavam-se os argumentos para justificar a acumulação das candidaturas à liderança interna e a Lisboa. Costistas lembram que em 1989 Jorge Sampaio foi eleito secretário-geral do partido, um posto que deteve até 1991. Também em 1989, Jorge Sampaio foi eleito presidente da Câmara Municipal de Lisboa, tendo sido reeleito em 1993. E que vários primeiros-ministros, socialistas e sociais-democratas (Cavaco, Guterres, Sócrates) foram simultaneamente secretários-gerais do partido.
 

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