António Costa, o sms e os jornalistas

Chegámos a um ponto em que demasiados jornalistas recebem demasiados sms, e em que a proximidade excessiva às fontes compromete ambas as partes.

João Vieira Pereira escreveu no Expresso de dia 25 de Abril um artigo crítico sobre o relatório Uma Década para Portugal, patrocinado pelo PS, onde acusava os socialistas de “falta de coragem” e de “ausência de pensamento político consistente”. António Costa reagiu nesse mesmo dia através de um bizarro sms nocturno, sugerindo que João Vieira Pereira era desqualificado, que degradava a sua profissão, que recorria ao insulto reles e cobarde, e insinuando que haveria no seu artigo matéria para um processo judicial.

Que António Costa, apesar de ser filho e irmão de jornalistas, tem pouca paciência para a comunicação social e para as suas perguntas é coisa que já se sabe há muito basta recordarmos a Quadratura do Círculo e os raspanetes que Carlos Andrade levava de cada vez que tentava introduzir uma tímida pergunta a meio das demoradas elucubrações de Costa. Mas sendo desta vez difícil de argumentar que o artigo de Vieira Pereira lhe saiu inesperadamente detrás de um carro na zona do Parque das Nações, o sms de António Costa é duplamente chocante: chocante como político, e chocante como irmão.

Chocante como político, porque é de um confrangedor amadorismo. Costa nada tinha a ganhar com aquele sms, para além de um momentâneo alívio biliar, e se o seu conteúdo fosse revelado publicamente como foi trar-lhe-ia evidentes prejuízos. Não só a sua reacção é completamente desproporcionada tendo em conta o teor do artigo de João Vieira Pereira, como o modo de procedimento é escandalosamente próximo do do “animal feroz”, do qual António Costa, se quer ser primeiro-ministro, deveria fugir a sete pés. Não é o que tem feito: alguns dos seus assessores de comunicação são herdados do socratismo, e esta cópia do seu estilo não augura nada de bom. Só um ingénuo ou um sonso pode olhar para aquele sms e considerá-lo uma banal manifestação de liberdade de expressão, como se a era socrática e as suas tentativas de condicionamento da informação não tivessem existido.

Mas se o sms seria sempre inaceitável vindo de qualquer candidato a primeiro-ministro, ele é ainda mais chocante por António Costa ser irmão de Ricardo Costa, director do Expresso e superior hierárquico de João Vieira Pereira. Quando, há um ano, António Costa anunciou a sua intenção de se candidatar a secretário-geral do PS, Ricardo Costa colocou de imediato o lugar à disposição, num gesto de grande dignidade profissional. É uma pena António Costa não partilhar os seus pruridos como é óbvio, um sms deste calibre produz estilhaços que atingem o irmão. Pior: produziria esses estilhaços mesmo que o sms nunca tivesse vindo a público, porque fragilizaria a posição interna de Ricardo Costa. Aprecio pouco essa falta de sensibilidade num candidato a São Bento.

Tal como não aprecio a falta de sensibilidade jornalística perante este caso. Paulo Rangel já aqui chamou a atenção para isso, e bem: António Costa falou aos jornalistas no último fim-de-semana e nenhum o confrontou com o conteúdo do sms. A sua divulgação até pode ser discutível, mas a partir do momento que ele foi publicado não compete aos jornalistas ignorarem-no. Infelizmente, chegámos a um ponto em que demasiados jornalistas recebem demasiados sms, e em que a proximidade excessiva às fontes compromete ambas as partes. E no entanto, se alguma coisa aprendemos nos últimos anos é que há certas distâncias e certos formalismos que convém proteger com muito cuidado.

Jornalista; jmtavares@outlook.com

Sugerir correcção
Ler 48 comentários