António Barreto diz que políticos não sacrificaram os seus interesses

Sociólogo lamenta que partidos tenham pedido "enormes sacrifícios" quando mantinham a postura de que “o interesse nacional é igual ao do partido”.

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António Barreto tem sido rosto da fundação desde que foi criada Miguel Manso

Os partidos políticos portugueses “exigiram à população enormes sacrifícios”, mas, chamados a negociar, “foram incapazes de fazerem, eles próprios, o sacrifício dos seus interesses”, analisa o sociólogo António Barreto.

“Era necessário que todos os partidos, ou alguns deles, fizessem sacrifício das suas posições partidárias e dos seus interesses, e não o fizeram. Tendo, todavia, exigido que os portugueses ganhassem menos, pagassem mais impostos, ficassem desempregados, tivessem problemas muito sérios do ponto de vista social, económico e financeiros”, criticou o sociólogo e ex-deputado, em entrevista à Lusa.

A convicção de que “o interesse nacional é igual ao do partido” terá um preço, acredita o presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos, que está a ultimar a conferência “Portugal europeu. E agora?”, agendada para 13 e 14 de Setembro. “Isto paga-se, no longo prazo, no médio prazo, paga-se. Quase ninguém hoje respeita os políticos, os partidos políticos, a não ser as tribos, a tribo do PS, a tribo do PSD, a tribo do CDS, a tribo do Bloco ou do PC, [que] respeitam o seu partido, como as claques de futebol”, compara.

“Desde o início” que António Barreto não partilha da “estratégia” do Presidente da República. “Ele tem o estilo dele. Creio que ele tem cumprido o estilo dele. Não é aquele que eu defenderia para ele”, diz. Em resumo, toda a classe política sai “muito fragilizada” da crise governamental mais recente, mas a “incapacidade” para “discutir, negociar e chegar a acordo” já é uma característica dos partidos “há quatro, cinco anos”, recorda, confessando: “Não sei quanto tempo demorará a recompor as coisas.”

Por outro lado, a sociedade civil portuguesa “adapta-se facilmente” a qualquer cenário, por pior que seja. “Tendencialmente, os portugueses resignam-se mais do que se revoltam”, admite. Porém, o sociólogo recusa “exagerar” essa tendência, porque “houve momentos, nos últimos 200 anos” de “revoltas muito profundas e conflitos muito graves” - no fim da monarquia, no princípio da República, no assassinato de chefes de Estado. “Também há revolta, não é só resignação, brandos costumes ou suavidade”, alerta.

Europa, a “receita para todos os males”

Na mesma entrevista, Barreto afirmou que a União Europeia (UE) passou de “remédio santo” a “responsável por todos os males”. O sociólogo considera que “o pecado original na relação entre Portugal e a Europa reside no facto de nunca o povo português ter sido chamado a votar em referendo” sobre a integração, recordando que “quase todos” os outros europeus “um dia votaram a pertença” à UE. Durante alguns anos, a Europa foi “receita para todos os males” e solução para todas as faltas. “Era um atalho para todas as nossas deficiências”, resume.

E, na verdade, “Portugal progrediu imenso nestes 30 anos, em rendimento, bem-estar, conforto, alfabetização, saúde, segurança social”, mas, à medida que foi crescendo, começou a ver “o lado de trás”, as fragilidades da indústria e da economia, para além de uma “sociedade civil muito fraca” e de um “Estado muito pesado, muito gordo, muito taralhouco na sua organização e eficiência”, retracta.

Com a crise, depressa a Europa passou de “remédio santo” para “responsável por todos os males”, assinala o sociólogo. A falta de questionamento sobre a integração europeia é disso reveladora. “Por excesso de culpas ou por excesso de bondades, (...) o debate sobre a Europa é um debate inquinado”, afirma. Favorável e “sem reticências” à pertença de Portugal à União Europeia, Barreto considera, porém, que “a Europa tomou alguns caminhos errados” e que “as escolhas feitas não foram sempre as mais acertadas”.

Confessando que gostaria de “mais liderança europeia”, uma liderança que “não fosse tão marcadamente alemã”, Barreto recua ao início para criticar “o excesso de velocidade” na integração. “A Europa andou depressa demais”, sublinha, referindo que o projecto avançou sem “um substrato social e institucional suficientemente forte e coeso”, que, aliás, “ainda hoje não” existe. Quando já havia instituições comuns e moeda única, ainda faltavam casais europeus, universidades europeias, sindicatos e organizações patronais, recorda.

 “O que esta crise económica, social e política contemporânea trouxe (...) foi a consciência de que, na Europa, além do esforço de integração (...), ainda há rivalidades, povos diferentes, Estados diferentes, ainda há luta de classes, luta institucional, pobres e ricos, exploradores e explorados”, observa, admitindo que era de esperar “mais solidariedade”. “Não há europeus (...). Sentimo-nos europeus, porque sentimos pertencer à Europa, mas essa coisa chamada cidadania europeia ainda não existe, é um desejo, um voto, uma esperança”, advoga.

Mas as crises não são só más, podem até ajudar “as coisas a progredir”, como é disso exemplo os protestos realizados “por cima das fronteiras”, observa. “Por causa da crise, houve algum desenvolvimento das relações nos movimentos sociais europeus”, destaca, duvidando, porém, da longevidade do “avanço”, que, por estar “muito relacionado com a crise”, pode vir a revelar-se “efémero”.

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