Ainda as eleições e a liberdade de informar

Rejeitado o “monstro”, é preciso de qualquer modo rever a lei para que esta se adeqúe aos dias de hoje.

Logo após o recuo da proposta de revisão do “regime jurídico da cobertura jornalística em período eleitoral” (que tinha, mas logo deixou de ter, o “selo” dos três partidos do chamado “arco da governação, PSD, PS e CDS), o sociólogo António Barreto disse na televisão qualquer coisa como isto: quando lhe perguntaram se achava que tal proposta iria voltar, deu o exemplo da toupeira, que desaparece na terra mas volta à superfície.

Antes que a toupeira emerja convém, pois, deixar claras várias coisas. Foi o que fizeram os directores de todos os órgãos de comunicação social portugueses (de imprensa, rádio e televisão), numa louvável sintonia em princípios inabaláveis. O que diz essa carta de princípios já foi, no essencial, difundido, mas é bom sublinhar alguns pontos. Como, por exemplo, a absoluta desactualização da lei em vigor onde, para citar a carta dos directores, se “condiciona a liberdade de informação e interfere na autonomia dos meios de comunicação social”, onde se “confunde o trabalho editorial com iniciativas de propaganda político-partidária” e “noticiários com tempos de antena”, e onde se “obriga a que assuntos de natureza e importância diferente tenham a mesma cobertura noticiosa, anulando os critérios editoriais e o valor notícia dos acontecimentos.” Como se sabe, a proposta que, há cerca de uma semana, tanto escândalo causou, mantinha no essencial tais intromissões, acrescentando-lhes a bizarria de apresentar, a uma comissão de três elementos, um plano prévio “identificando, nomeadamente, o modelo de cobertura das ações [sic] de campanha (...), a realização de entrevistas, de debates (...), de reportagens alargadas, de emissões especiais ou de outros formatos informativos”. Esse plano teria de ser ratificado, e a sua não apresentação ou incumprimento era punida com multa.

Foi esta a toupeira que despareceu numa cova funda. Para que não volte, mesmo com aparência melhorada, convém assentar nas bases essenciais de uma lei futura. E essas, como também sublinha a carta dos directores, deve respeitar “os princípios de liberdade, independência e imparcialidade dos órgãos de comunicação social e dos jornalistas face a todas as forças políticas e a todas as candidaturas”, deve “separar de forma inequívoca a actividade jornalística, da responsabilidade exclusiva dos meios de comunicação social, das iniciativas de propaganda” e “deve ter presente a ponderação entre o princípio da não discriminação de candidaturas e a autonomia e liberdade editorial e de programação dos órgãos de comunicação social.” Isto, como facilmente se percebe, é incompatível com a exigência de “planos prévios” ou disparates semelhantes. Os 41 anos da nossa democracia, com dezenas de actos eleitorais realizados, são garantia bastante de que não precisamos de leis “correctoras” (como se fôssemos crianças) nem os partidos ou candidatos precisam de lais “piedosas” (como se fossem indefesos). Se houver bom senso, haverá uma lei condigna, que servirá para hoje e para o futuro.

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