Afinal Passos Coelho só entreabriu portas no Centro Português para a Cooperação

A Tecnoforma sozinha angariou quase três vezes mais fundos públicos antes de criar o CPPC do que esta organização não governamental conseguiu obter até fechar as portas.

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A passagem de Passos Coelho e outros notáveis pelo CPPC não serviu de grande coisa à Tecnoforma Georges Gobet/AFP

No início de 1998, pouco mais de um ano depois de ter sido criado pela Tecnoforma e por Passos Coelho, o Centro Português para a Cooperação (CPPC) tinha em carteira cinco projectos com um valor superior a 12 milhões de euros. Todos eles aguardavam financiamentos públicos.

Passados dois anos, em Fevereiro de 2000, o seu terceiro e último Balanço de Actividades já se apresentava como uma confissão de fracasso. O destino da organização era aí remetido apenas para o futuro da estratégia de cooperação do Estado português com os PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa).  

E a cessação da sua actividade, nesse mesmo ano, parece ter uma só explicação: a Tecnoforma angariou quase três vezes mais fundos públicos nos três anos anteriores à criação do CPPC do que este veio a conseguir nos seus três anos de actividade.  

Afinal, o homem que “abria todas as portas”, como o fundador da Tecnoforma definiu Passos Coelho, revelou-se uma aposta sem qualquer valor para a empresa. Pelo menos até ao fecho do CPPC.  

O mesmo não se pode dizer do seu papel entre 2001 e 2004, quando ela já mudara de mãos, passando a ter entre os seus accionistas o secretário-geral da JSD João Luis Gonçalves. Como o PÚBLICO revelou em 2012, Passos Coelho passou a trabalhar directamente para a empresa e esta registou um súbito crescimento com o negócio da formação profissional nas autarquias portuguesas.

Projectos ficaram no papel
A fundação do CPPC, no final de 1996, visava dar continuidade às cinco acções desenvolvidas directamente pela Tecnoforma em Angola e Moçambique entre 1993 e 1996. Para esses projectos, a empresa obteve subsídios da ordem dos 315 mil euros junto do Fundo para a Cooperação Económica (FCE) — gerido pelos ministérios portugueses das Finanças e dos Negócios Estrangeiros —, para além dos apoios que também recebeu de organizações internacionais. 

Contrariamente ao que sucedeu com estas iniciativas empresariais, que foram executadas e financiadas naquele período, as acções programadas pelo CPPC saldaram-se por quase nada. Das cinco para as quais procurava financiamento no início de 1998, apenas uma, para formar costureiras no antigo bairro degradado da Pedreira dos Húngaros, em Oeiras, foi por diante.

Mas mesmo nesse caso as coisas correram mal: em vez dos 95 mil contos (475 mil euros) que estavam no orçamento elaborado pela organização a cujo Conselho de Fundadores presidia Passos Coelho, o Fundo Social Europeu (FSE) e o Estado português apenas aceitaram pagar 137.500 euros — de acordo com os dados oficiais do Instituto de Gestão do FSE.

O primeiro dos três balanços assinados pela direcção do CPPC — formada pelos então donos da Tecnoforma (Fernando Madeira, o fundador da empresa, e Manuel Castro) e pelo braço direito de Passos Coelho na JSD (João Luis Gonçalves) — tem data de Março de 1998 e refere-se ao ano de 1997. É o mais extenso de todos, com oito páginas, e ainda traduz algum optimismo, embora dê conta de que a obtenção de apoios para algumas das suas iniciativas está a deparar-se com dificuldades. 

O mais ambicioso de todos os projectos que então estava a tentar fazer aprovar pelo Governo português, então liderado por António Guterres, era o chamado Programa de Reabilitação e Promoção Activa do Emprego para o Desenvolvimento, a levar a cabo em Angola. As verbas previstas para a sua realização ascendiam a 6,3 milhões de dólares (perto de 5 milhões de euros ao câmbio actual). 

“Foi recolhida uma sensibilidade positiva de Bruxelas relativamente à finalidade e metodologia do projecto”, lê-se no Balanço das Actividades daquele ano, arquivado no Instituto Camões e até agora desconhecido, tal como o de 1999. “O valor que Bruxelas possa vir a desbloquear será tanto maior quanto o interesse que Portugal manifeste”, acrescenta o texto.

Nessa altura, o CPPC já tinha entregue o projecto no Instituto para a Cooperação Portuguesa (ICP), dependente do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e já tinha celebrado um protocolo com a própria Tecnoforma e com o Instituto Nacional de Formação Profissional de Angola com vista à sua concretização.

Em Angola, onde a Tecnoforma trabalhava há mais de uma década e tinha óptimas relações com o Governo e com os militares, tudo se passava como previsto. O Ministério da Administração Pública e Segurança Social aprovara o projecto, referindo-se mesmo a ele como “o programa de suporte do Programa Nacional de Luta contra o Desemprego”, então em elaboração. 

Em Lisboa, porém, o ICP tinha-se limitado a remeter o dossier para o Ministério do Emprego e da Solidariedade Social. “Estão a ser desenvolvidos também esforços não oficiais no sentido de tornar este processo mais rápido”, diz o CPPC no seu balanço de 1997. 

Quanto aos outros projectos, o documento faz referência ao da Pedreira dos Húngaros, dizendo que ele está orçamentado em 95 mil contos e que já foi “homologado por Bruxelas”, mas sem indicar o montante aprovado.

Uma outra iniciativa, relacionada com o “apoio à integração social de militares deficientes” em Angola, começava no entanto a esbarrar com dificuldades. Apesar disso ainda havia esperanças: “Na semana passada um general das forças armadas angolanas procurou-nos para oficialmente nos solicitar uma proposta”, explica o CPPC, sem quantificar o montante previsto para essa intervenção. 

Quantificado estava o investimento destinado à criação, em Cabo Verde, do Instituto Superior de Formação em Gestão e Administração Pública dos PALOP (ISPALOP). A estimativa feita apontava para 1.340.000 contos (6,7 milhões de euros) em quatro anos  — o documento indica “1.340.000 PTES”, mas a referência a escudos só pode ser um lapso, dada a natureza do projecto. A ideia até tinha sido objecto de um encontro em Bruxelas entre Passos Coelho, Fernando Madeira e João de Deus Pinheiro, então comissário europeu. Segundo este terá informado, ela  “poderia vir a ter um bom acolhimento” da União Europeia. 

No caso de Moçambique estava em preparação um “projecto para o desenvolvimento comunitário de Inhambane”, no valor de cerca de 505 mil euros. O assunto chegou a ser discutido com o ICP, mas não tinha tido qualquer desenvolvimento.

Um ano depois, o Balanço de Actividades do CPPC relativo a 1998 (que foi conhecido no início do mês passado) mostra que o projecto da Pedreira dos Húngaros é o único que está a sair do papel. Relativamente ao projecto de promoção do emprego em Angola já se considera pouco provável que o ICP “se digne apoiar a materialização do mesmo” — até porque ele se tornou “inviável por falta de segurança no terreno”.  

Quanto ao ISPALOP, nota-se que o Governo de Cabo Verde acabou por não lhe conceder um “apoio formal”, salientando-se que ainda vai ser procurado “apoio da Cooperação portuguesa”. Aos projectos dos militares deficientes de Angola e do desenvolvimento comunitário de Inhambane já não é feita qualquer alusão.

Por fim, em Fevereiro de 2000, o balanço de 1999 assume claramente o falhanço. “Dos projectos que a nós mesmos estabelecemos como exequíveis, apenas a intervenção no Bairro da Pedreira dos Húngaros se concretizou. Todos os outros, tanto em Angola como em Cabo Verde, não se vieram a concretizar e dada a evolução política que entretanto se verificou nestes países, duvidamos que os mesmos venham a ser concretizáveis”. 

Nos arquivos do Instituto Camões não existe mais nenhum Balanço de Actividades do CPPC, cuja remessa anual ao ICP era obrigatória, depreendendo-se que o mesmo deixou de funcionar ainda em 2000.

A credibilidade das contas
Para além da vasta documentação sobre o projecto de promoção do emprego em Angola ali existente, um dossier relativo à Tecnoforma, igualmente arquivado naquele instituto, mostra o que até agora também não se sabia. Isto é: a Tecnoforma obteve entre 1993 e 1996, antes de criar o CPPC, subsídios do FCE/ICP no valor total de 62.980 contos (314.900 euros), quase três vezes mais do que os 137.500 angariados pelo CPPC para Oeiras. 

Os apoios concedidos pelo Estado português à empresa destinaram-se a apoiar dois projectos em Angola na área da formação profissional e outros dois em Moçambique — um relacionado com a reintegração de militares desmobilizados e outro de formação profissional. Um quinto projecto, que além dos 4320 contos (21.600 euros) que recebeu da cooperação portuguesa ainda contou com 5792 contos (28.960 euros) das Nações Unidas, teve como objectivo a promoção do recurso às verbas do Fundo de Alívio à Pobreza criado pelo Banco Africano de Desenvolvimento.

Relativamente ao CPPC, o que também se conclui das demonstrações de resultados dos anos de 1996 a 1999, entregues ao ICP, é que as suas contas não merecem grande crédito. Por exemplo: a rubrica de custos com o pessoal apresenta zero euros em 1996 e 1997 (que foi o ano de maior actividade da organização), enquanto que em 1998 e em 1999 regista, respectivamente, 3216 e 8159 contos (16.080 e 40.795 euros).

Quanto a Pedro Passos Coelho e aos montantes que este terá recebido, a título de reembolso de despesas, ou de pagamento de serviços prestados ao CPPC, os documentos a que o PÚBLICO teve agora acesso nada esclarecem. O que eles parecem demonstrar é que a passagem do actual primeiro-ministro pelo CPPC, bem como a dos numerosos notáveis do PSD e do PS que o acompanharam nessa experiência, não serviu, nessa fase, de grande coisa à Tecnoforma.

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