Acordar

O PSD está a fazer o seu trabalho de casa pré-eleitoral. Boa parte da austeridade do ano passado já está suspensa, um intervalo lúcido. Quem vier atrás que feche a porta. Vamos a factos.

A Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES) desapareceu para os pensionistas com pensão bruta abaixo de 4611 euros. Milhares de membros da classe média receberam agora esta boa notícia. Mais dinheiro no fim do mês. O IRS terá novas regras que entram em conta com o número de dependentes. (Como os pobres não pagam IRS, a medida acaba por beneficiar a classe média alta, os que hoje geram famílias numerosas). Foi declarado que os subsídios de desemprego, de doença e outros já não serão objecto de punção fiscal, este ano, como chegou a ser anunciado. O Governo recuou na tabela salarial única, o que significa que já não pensa, pelo menos este ano, transformar em definitivos os cortes de vencimentos e salários ditados pelo ajustamento. Os trabalhadores que estavam a recear perder  transposição automática dos acordos colectivos de trabalho dentro de cada sector, tudo indica nada terem a temer, pois a medida vai ser anulada ou esterilizada. Os trabalhadores do fisco vão ver as suas remunerações acessórias ampliadas. Nenhum sindicato criticou convictamente está aparente discriminação, por todos esperarem dela beneficiar, cedo ou tarde, na Função Pública. Aos sindicatos "amigos" na TAP, pasme-se, foi prometida a garantia discriminatória de estabilidade de emprego depois da privatização. O disparate era tamanho que veio o próprio Passos corrigir a óbvia inconstitucionalidade. Pouco importa que deste modo ninguém queira a companhia. O Governo bem tentou, mas o mercado não correspondeu! As universidades já podem de novo converter-se em fundações, o que lhes aumenta a flexibilidade de gestão. Lá foi para as urtigas toda a retórica anti-fundações públicas! O Governo promete colocar 1000 doutores sem emprego a trabalhar na indústria, com financiamento dos fundos europeus. O Governo convenceu a indústria farmacêutica a um esforço extra para baixar ainda mais o preço dos medicamentos, o que significa menor despesa para o cidadão, para o mesmo produto, mas provavelmente mais embalagens compradas. O Governo está a acelerar os desembolsos rápidos do QREN, para o que dispõe de equipas e projectos. Com toda esta ginástica, o Governo transformou-se no maior crítico de si próprio, do que praticou em três anos e meio. A Troika e a austeridade nunca existiram!

 Mas há mais, na conjuntura. Graças a mais descidas na Euribor, as prestações mensais para pagar o crédito à habitação vão atingir mínimos históricos. As enormes quedas de preço do petróleo, mesmo que reflectidas com atraso nos preços dos combustíveis, vão acomodar confortavelmente o novo "imposto verde". Nem se vai notar que ele começou. A baixa da cotação do Euro vai melhorar as nossas exportações para países terceiros. Para nenhum destes eventos o Governo contribui, mas deles colherá os frutos.

E o PS? O PS continua convencido de que o poder lhe vai cair nas mãos como fruto maduro. Não encontrou melhor notícia para iniciar o ano político que uma proposta legislativa para adopção e procriação medicamente assistida para casais homossexuais. Realmente um problema central na vida dos Portugueses!
No inquérito ao BES, o PS mal se nota e deixa que se lhe cole à pele uma simpatia inexistente por Ricardo Salgado. Por que espera para exigir a divulgação nominativa dos accionistas que venderam participações significativas nas 48 horas que precederam a liquidação do BES e sua divisão em dois? Quase emudece perante ataques grosseiros de Schauble e Merkel à livre determinação dos Gregos de escolherem para os governar quem muito bem eles entendam. Finalmente, o PS deixa-se capturar na armadilha presidencial: quem vai ser o candidato socialista, se o mais desejado não estiver para aí virado? E se aceitar só daqui a largos meses, como combater o sentimento de secundarização que irá apossar-se dos eleitores socialistas?

O PS tem que acordar. A vitória nas eleições está longe de adquirida, mesmo na versão frustrante de simples maioria. Há exemplos de temas e debates cuja preparação o PS não pode deixar para depois, como o do financiamento da Segurança Social (sim ou não à redução da TSU, terrivelmente predadora da competitividade, da inovação e do emprego), e se sim, como? O da reforma do Estado Social (educação, saúde, acção social) numa linha de eficiência, equidade e qualidade. E como lidar com uma administração pública maltratada, ferida e desmotivada, onde escasseiam os verdadeiros dirigentes? São desafios para amanhã, não para o Outono.

Nova flexibilidade
Portugal com 4,3% de défice publico e 131,3% dívida pública (3° trimestre de 2014) está sujeito ao Procedimento por Défices Excessivos (PDE). Poderá, indirectamente, no médio prazo, beneficiar da nova flexibilidade que a Comissão Europeia acaba de lançar. Sem alterar uma só vírgula, a partir de agora, há uma diferente interpretação das sacrossantas regras do pacto de estabilidade. Reformas estruturais, investimento e rigor orçamental compatibilizam-se com emprego e crescimento. O pacto ganha em prosódia: Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC). Será o fim das medidas de austeridade despejadas em cima da recessão. Uma lufada de ar fresco há muito reclamada pelos socialistas europeus. Para os países enquadrados na vertente correctiva do PEC, como Portugal, a Comissão passará a analisar mais atentamente todos os desenvolvimentos relevantes de médio prazo (economia, orçamento, dívida). A despenalização ocorre na medida em que o plano de acção correctiva proposto, for credível e o calendário cumprido. Reformas estruturais devem fortalecer a competitividade e não a desvalorização salarial e laboral. Os investimentos estratégicos, com origem nos fundos regionais da interconectividade ou do fundo Juncker deixam de ser contabilizados para o défice, bem como a eventual e voluntária, comparticipação nacional para o Fundo Europeu para Investimentos Estratégicos. A procura externa pode aumentar consoante a magnitude do investimento nas maiores economias europeias. Mas os benefícios, só após abandono do PDE. Para já, a nova flexibilidade é para países cumpridores. Alívio para os italianos, mais tempo para os franceses e depressa, mas sem pressas, para os espanhóis. Flexibilidade inteligente, sim! Mas a duas velocidades... Bruxelas em estado puro. João Ferreira da Cruz, economista

 

Sugerir correcção
Ler 1 comentários