"Não entendemos que se justifiquem impostos adicionais"

João Galamba diz que o PS está "confortável" com o "equilíbrio razoável" nos impostos que o Orçamento prevê, recusa que o facto de ter que chumbar a proposta do PCP de aumento das pensões fragilize o Governo e o acordo à esquerda, e volta a rejeitar qualquer plano B.

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Nuno Ferreira Santos

O PCP apresentou uma proposta para aumentar em dez euros todas as pensões abaixo de 5500 euros anuais. O PS chumbou porque iria abrir um buraco no Orçamento?
Sim. Nós, nesta discussão na especialidade acordámos um conjunto de propostas de alteração com o PCP, o BE e o PEV que consideramos estarem em linha com as preocupações deste Orçamento, e que não comprometem a execução orçamental.

Não é o caso desta?
Essa proposta em concreto comprometeria. Neste Orçamento do Estado (OE) já existe um reforço dos rendimentos da generalidade dos portugueses. Não fazemos um OE só para pensionistas, nem só para funcionários públicos, fazemos um OE que consideramos equilibrado, e que permite, ao longo destes quatro anos, fazer uma recuperação gradual, responsável, e que não põe em causa os nossos compromissos internacionais. Já temos medidas significativas com impacto bastante considerável, seja com a devolução da sobretaxa, o aumento do salário mínimo, ou dos mínimos sociais, a tarifa social da electricidade. Qualquer coisa que transcenda esse equilíbrio não merece a nossa aprovação.

Mas havia a hipótese de passar com os votos da oposição (PSD e CDS). Isso não fragilizava o Governo?
Não me parece que isso pudesse acontecer. O PSD e o CDS nunca aprovaram medidas desta natureza no passado. Se o fizessem agora por razões puramente tácticas seria de uma enorme irresponsabilidade. Cada partido responde pelas propostas que decide fazer. Nós respondemos pelas nossas. É conhecido que as propostas do BE e do PCP tradicionalmente não respeitam as regras e os compromissos com que o PS está vinculado em termos europeus. O PCP limitou-se a apresentar uma proposta que já fizera e que demonstra a sua coerência e identidade. 

O PS não recusou apenas propostas de aumento de despesa. Recusou também medidas que aumentariam a receita, como novas taxas na energia...
Também recusámos a descida da taxa sobre o sector energético defendida pelo PSD e pelo CDS. Queriam reduzir para metade essa contribuição e acabar com ela totalmente em 2017, dando prioridade à redução de impostos sobre sectores rentistas em detrimento da redução de impostos sobre as famílias e o trabalho. A opção do PS é diferente. Entendemos que, mantendo os impostos sobre o sector energético, não descendo o IRC e aumentando a tarifa social, que terá um encargo para o sector energético na ordem dos 100 a 120 milhões, esse já é um equilíbrio razoável e estamos confortáveis com ele. Não entendemos que se justifiquem impostos adicionais.

É um sinal político importante aprovarem medidas do CDS?
Aprovamos medidas que melhorem o OE e recusamos as que o piorem. Não temos nenhum problema político a priori com o CDS. Aprovamos as medidas pelos seus méritos e não por quem as apresenta.

Quais foram as matérias mais difíceis de negociar com BE, PCP e PEV?
Aquelas em que partidos que sempre estiveram à margem da aprovação de orçamentos têm de conhecer pela primeira vez. Essa moderação é de valorizar. É um grande sinal de maturidade democrática que PCP, BE e PEV tenham mudado de atitude. O PS saúda-a e entende que isso devia ser valorizado pelas instituições europeias, numa altura em que um dos grandes problemas na Europa é a fragmentação dos sistemas políticos. Portugal está em contraciclo e é o único país que conseguiu incorporar no arco da governação partidos que tinham estado à margem. O PCP tem mais de 90 anos e foi esta a primeira vez que aprovou um Orçamento. Acho que é algo da maior importância, não só para a democracia portuguesa mas também para a União Europeia.

A pergunta era mais específica. Em que áreas notou maiores dificuldades na negociação?
A moderação de algumas pretensões do BE, PCP e PEV, nomeadamente na recuperação de rendimentos, é algo que implica um esforço significativo por parte desses partidos. Nós saudamos a responsabilidade dos três partidos por entenderem que o PS tem uma geometria variável de compromissos que quer manter: quer manter os compromissos com os seus parceiros no Parlamento; com os portugueses e com a Europa. Esse era um exercício muito difícil para o PS. É com muita gratificação que vemos que PCP, BE e PEV foram sensíveis a isso e colaboraram com um partido que tem compromissos diferentes dos seus. Colaboraram activamente e ajudaram o PS a fazer um Orçamento que satisfaz esse triplo compromisso.

Ainda assim, o BE e o PCP disseram que este não era o seu Orçamento. Como recebeu esta crítica?
Com toda a naturalidade. Não há nenhum drama em existir diferenças. Seria muito difícil ter impacto na vida dos portugueses com medidas que só o PS defende e não os seus parceiros, e vice-versa. O que os partidos conseguiram foi responder a um anseio muito grande por parte do eleitorado de centro-esquerda: "Entendam-se." Esse objectivo foi inteiramente cumprido.

O afastamento revelado pelo BE e o PCP face ao Orçamento não tem minado o acordo?
De todo. O que minaria seria que qualquer um dos partidos exigisse aos outros que deixassem de ser o que são. Um dos ingredientes que torna esta solução governativa estável, e com êxito, é percebermos aquilo que nos une e aquilo que nos diferencia e focarmo-nos naquilo que nos une. É isso que demonstra que a unidade à esquerda é possível e traduz-se em mudanças reais e importantes para os portugueses.

Até agora o comportamento do BE e do PCP tem sido igual nas negociações? Ou é mais fácil negociar com algum deles?
Todos têm diferenças. Uma das características mais importantes em política é a flexibilidade e a capacidade de compromisso. As negociações têm corrido bem e os partidos têm-se comportado todos de forma leal.

Apesar disso, Bruxelas não parece estar sensibilizada por esse esforço e ainda esta semana insistiu na necessidade de haver medidas adicionais, um plano B...
E o comissário já corrigiu. Nós percebemos que é sempre difícil para instituições com as da UE admitirem uma inversão de política económica. Estão tão viciados no discurso único, na linha única, que haver um Governo que pretende ensaiar uma alteração de política económica, mesmo mantendo os compromissos com Bruxelas, se torna difícil de aceitar. Mas há outra coisa que ajuda a explicar isto: a data escolhida para as eleições legislativas. O facto de Portugal ter que apresentar o seu Orçamento meses depois de todos os outros países, de ter tido um esboço orçamental avaliado isoladamente e não em conjunto com o dos outros países, fragilizou o país. O OE português não tem mais dificuldades que o de outros países. O OE espanhol tem desvios muito mais significativos do que o português e não consta que tenha havido qualquer alarme ou drama.

Não é preciso um plano B? O plano A chega?
Nós conhecemos agora a execução orçamental de 2015. Havia um discurso oficial sobre o Governo anterior, que estava no bom caminho, a cumprir as regras. O que sabemos, e isso são factos, não opiniões do PS, é que esse Governo incumpriu as regras em 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015. O défice - sem o Banif, e mesmo depois das medidas de contenção aplicadas pelo actual Governo em Dezembro, mesmo com receitas que empolaram a receita em 600 milhões de euros, prejudicando a execução orçamental de 2015 - ficará entre 3,2 a 3,4% do PIB. Isto é um desvio, no mínimo, de 0,5% face à meta, ou seja mil milhões de euros.

Ou seja?
Nós sabemos isso, mas sobre a execução orçamental de 2016 não sabemos nada. Sabemos apenas os dados de Janeiro. E aí estão todas as medidas que aumentam o défice (reposição de salários, redução da sobretaxa) e ainda não está nenhuma das medidas que reduzem o défice. Essa execução está em linha com o esperado. Com os dados conhecidos não há nenhuma razão para estarmos a falar de plano B. O plano A, que é o do PS e o do país, deve ser aprovar este Orçamento e executá-lo com o rigor que não houve nos últimos anos.

O Governo não está a preparar medidas?
É normal que a Comissão Europeia, à luz do que aconteceu nos últimos anos, preveja que vá haver um novo desvio da execução orçamental. Mas nós vamos mesmo tentar quebrar com a tradição de falhanços sucessivos na execução orçamental dos últimos anos.

Portanto, não vão preparar medidas adicionais?
Estamos a trabalhar para executar com rigor este Orçamento. Esse é o nosso plano A e B. Se a execução orçamental correr mal, cá estaremos para discutir o que fazer com esse desvio. Neste momento não há nenhum desvio.

E aí chamará os seus parceiros para discutir novas medidas?
É inútil estar a cenarizar. Espero que as instituições europeias tratem Portugal como tratam todos os países e apliquem as regras europeias por igual a todos os países.

Já são conhecidas matérias acordadas entre o PS, o BE e o PCP que transitam para o próximo ano, como a dedução de despesas com educação no IRS e a reforma dos escalões do imposto. Isso é um sinal de que já arrancou a negociação de 2017?
É um sinal de que este acordo tem a perspectiva de uma legislatura e não se esgota no primeiro OE. Tem prioridades políticas e programáticas que são para concretizar ao longo dos próximos quatro anos.

O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais disse que não acredita que a legislatura dure quatro anos. Não se revê nesse pessimismo?
Compreendo as declarações de Rocha Andrade: ao longo da história um Governo minoritário tem mais dificuldades para cumprir a legislatura. Penso que o empenho de todos é de boa-fé e lealdade para cumprir a legislatura.

Se houver atritos ao longo do caminho, equacionam chamar o BE e o PCP para assumir pastas governativas?
Não penso que seja útil fazer cenários de mudança na configuração do apoio ao Governo. O mais importante é que esse apoio subsista no tempo e seja produtivo. Temos a esperança de que continue a ser nos próximos tempos. 

Dentro do PS ainda há divisões internas sobre este acordo, como houve no início?
Houve vozes públicas de discordância, não lhes chamaria divisões... Penso que a união do PS em torno desta solução é clara e esmagadoramente maioritária. É evidente que haverá sempre um ou outro militante que não se revê, como houve sempre ao longo da história. Os militantes gostam de ver o PS a negociar à sua esquerda e a governar à esquerda. É para isso que o PS existe. Certamente não gostariam de ver este partido a apoiar uma solução governativa à direita. Isso é que seria algo que dividiria seriamente o PS.

Ainda há uma questão que divide a esquerda: a dívida. Mário Centeno diz aceitar essa discussão quando ela se colocar a nível europeu. Isso pode ser tarde demais?
Discutir a dívida quando não há nenhuma iniciativa a nível europeu é que é uma discussão condenada ao fracasso. Fui subscritor do manifesto dos 74 e subscrevê-lo-ia hoje de novo nos termos em que foi colocado. Esse manifesto sempre pôs a questão em termos europeus. O PS e o Governo entendem que neste momento não há condições na Europa para avançar com uma iniciativa dessas. Mas repito que sempre tenho dito: a dívida é um problema sério europeu, e deve ser tratado a nível europeu. A Europa não resolverá os seus problemas sociais e políticos, sérios, se não colocar este problema na sua agenda. Mas a última coisa que queremos, como aconteceu com a Grécia, é haver divisões entre países devedores. A questão da dívida nunca pode ser colocada por um país, porque levanta problemas distributivos sérios a todos os Estados-membros. Esses problemas têm de ser colocados no plano colectivo.

Está a haver alguma estratégia comum entre os países devedores?
No seio do Partido Socialista Europeu há propostas de mutualização da dívida.

Mas ao nível dos Governos não?
Admito que possa haver articulação sobre várias matérias, mas isso é uma resposta que tem de ser dada pelo Governo.

Não estranhou o timing do PCP para apresentar o projecto sobre a reestruturação?
O PS não responde pelos timings escolhidos por outros partidos. Não vemos que iniciativas desta natureza, que apenas reafirmam posições, ponham em causa um acordo. Estamos confortáveis.

Havendo essa noção da insustentabilidade, não deveria o Governo negociar juros e prazos?
O Governo defenderá sempre todas as posições que considere viáveis na União Europeia. Nós não boicotaremos propostas sejam da dívida (para alargar juros e maturidades), as regras orçamentais, fundos europeus, plano Juncker: tudo o que possa beneficiar a economia e a coesão social do país ou de outros países terá o apoio entusiástico e o empenho deste Governo e do PS.

Parte para a Comissão de inquérito ao Banif com uma convicção formada ou espera para ver?
Toda a gente parte para todos os assuntos com uma convicção formada. Temos é que ter a disponibilidade para, à luz de factos e informação dos documentos, rever e alterar essa nossa posição. Se alguém disser que parte sem uma posição formada ou sem uma leitura, um ângulo, sem uma posição à partida, sem um conjunto de ideias, penso que não estará a falar verdade.

Vai o Governo e esta maioria parlamentar ter uma atitude pró-activa numa maior regulação do sector e das entidades de supervisão?
Sim, e o actual Governo já disse querer tirar consequências sobre a actuação das entidades reguladoras e da actual arquitectura regulatória, procedendo a alterações que se justificam à luz dos acontecimentos dos últimos 2, 3, 4 anos. O PS acompanhará.

Que alterações são necessárias?
É evidente, no caso da resolução, que há um evidente conflito de interesses entre uma instituição que é simultaneamente regulador prudencial e vendedor de bancos que importa resolver.

Continua a defender que o Novo Banco deve ficar na posse do Estado?
Eu nunca defendi que o Novo Banco devia ficar na posse do Estado, mas que as regras europeias são erradas se obrigam um Estado a vender um banco. O Estado deve poder fazer o que melhor defende o interesse dos contribuintes. O bom senso mostra que se as regras determinarem a venda obrigatória num curto espaço de tempo isso deprecia o valor do activo, é prejudicial para o vendedor e benéfico para o comprador. Chegou a altura de avaliar as consequências dessas regras. O que nos não podemos fazer é, num momento em que o mercado não quer bancos, em que o banco ainda não está reestruturado, em que o sector está em dificuldades, ‘ai,ai,ai temos que vender já hoje porque as regras europeias mandam’.

O PCP apresentou proposta de nacionalização, o BE concorda e Louçã apresentou proposta de uma numa solução jurídica para o problema a nível europeu. O Governo deve ter em conta estas posições no momento de decidir?
Todas as partes – quem defende a privatização, quem defende a não privatização – têm a obrigação de sair dos chavões e dicotomias simplistas do queremos vender ou não queremos vender e dizer detalhadamente porque entende que vender é a melhor escolha e porquê e quem entende que não vender é a melhor escolha e que deve manter-se público e tirar as consequências dessa proposta e detalhar as razões pelas quais a manutenção na esfera pública seria correcta: apresentar um plano de negócios que mostre como esse banco seria viável, a fazer o quê, com que trabalhadores, como se articulava com a CGD. Ainda não vi, por parte de quem defende a manutenção na esfera pública, argumentos desta natureza.

Se o PS precisar de uma aprovar uma recapitalização antes da venda, tem a noção de que só pode contar com o apoio do PSD e eventualmente do CDS?
Não poderá haver uma recapitalização antes da venda porque necessidades de recapitalização terão necessariamente de recorrer ao mecanismo de bail-in ou a uma nova resolução, portanto esse problema não se coloca.

Portugal pode ver-se a braços com um resgate à sua banca a curto prazo?
Isso significaria que o Governo anterior ainda fez pior do que se pensa. Porque se depois de um programa de ajustamento em que o segundo pilar era a reestruturação, consolidação e estabilização do sector financeiro, com uma verba dedicada para isso que nem foi utilizada… Eu espero que não cheguemos a esse ponto, mas em toda a Europa há enormes dificuldades no sector bancário, não é só em Portugal.

A mera injecção de liquidez por parte do BCE e as regras de regulação mais sólidas não têm contribuído para a sustentabilidade do modelo de negócio da banca. Temos que fazer esse debate em toda a Europa numa altura em que se avança de forma inconsciente e acrítica para uma união bancária amputada, que não está dotada de todos os instrumentos e que tem sido mais um instrumento de instabilidade do que era suposto decorrer desta legislação que era a estabilização e a normalização. Tem acontecido o oposto.

Isso é a nuvem mais negra no horizonte?
Há várias nuvens negras no horizonte. Acho que nunca houve uma conjugação de tantas nuvens negras no horizonte europeu: desde os refugiados, o crescimento da extrema-direita, a problemas sérios de fragmentação do projecto europeu onde diferenças entre credores e devedores, Norte e Sul, se têm acentuado.

E haverá nuvens negras em Belém nos próximos tempos? Qual é a expectativa?
Como sou um forte crítico do anterior Presidente, ainda estou a viver o entusiasmo de essas nuvens negras se terem dissipado. Deixem-me viver um pouco esse desanuviamento e esta minha celebração pessoal de ver uma figura que considero muito negativa para a política portuguesa em todos os cargos que ocupou ter saído de cena. Mas não vejo razão nenhuma para haver qualquer problema de relacionamento entre o Governo e o Presidente que, aliás, de diversas formas e sempre que pode já deixou isto mesmo bem claro – no que depender dele não haverá dificuldades de relacionamento entre Belém e São Bento ao contrário do que aconteceu com o anterior.

Como leu o facto de na tomada de posse o Presidente não ter falado sobre o seu relacionamento com o Governo?
Não me ocorreu isso. Acho que falou suficientemente da legitimidade democrática da Assembleia da República e da sua representação nacional para que isso [falta de referência ao Governo] tenha relevância. A frase sobre a representatividade nacional da AR matou definitivamente qualquer aspiração de PSD e CDS terem um aliado em Belém que suportasse o discurso da ilegalidade do Governo ou da anormalidade da situação.

Houve uma diferença muito importante face aos últimos discursos de Cavaco Silva, que eram para recordar que o país estava limitado, subjugado e que tinha que se subordinar a uma certa receita europeia. Como que um amesquinhamento do país. Agora, pelo contrário, há um sentido patriótico, de afirmação das possibilidades democráticas do país.

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