A velhice do dr. Cavaco

O dr. Cavaco está velho e está no fim da sua carreira política. Gostava, por isso, de sair suavemente, com a benevolência do país, com muitas palmas, mas sobretudo sem sarilhos.

O dr. Cavaco está velho e está no fim da sua carreira política. Gostava, por isso, de sair suavemente, com a benevolência do país, com muitas palmas, mas sobretudo sem sarilhos. A ambição dele é voltar para o Algarve e receber discretamente alguns notáveis que não o incomodassem muito.

Se marcasse eleições para a Primavera, este plano idílico ia por água abaixo. O PSD e o CDS protestariam. Provavelmente, não haveria uma nova maioria e, apesar das promessas, ele teria de aceitar um governo minoritário que poria a oposição, qualquer que ela fosse, em constante tumulto. Pior ainda: numa situação dessas ele com certeza não escapava às críticas da esquerda e da direita e dos tresloucados que por aí andam, convencidos que vão ser importantes. Em vez de paz, deixaria um motim.

Quando ele se agarra com um certo desespero à letra da lei para empurrar este Governo até Setembro, ganha duas coisas. Primeira, em Setembro ele já não poderá dissolver o Parlamento, mesmo que o resultado seja catastrófico e Portugal se torne numa aldeia de macacos; esfregando as mãos ele dirá, e com razão, que nada é já da sua conta e deixará uma herança confusa ou catastrófica, mas nunca da sua imediata responsabilidade. Quem cá ficar que se arranje, enquanto ele, da sua merecida reforma, contemplará com equanimidade e deleite as desordens da Pátria. Segunda coisa, se lhe perguntarem, ele responderá que os partidos tiveram a culpa porque não se entenderam como tantas vezes lhes recomendou e porque "se crisparam”, quando ele pedia ao bom povo português mais tranquilidade e doçura.

Claro que este programa de abstenção não passa de uma desculpa para poupar os nervos do dr. Cavaco. A ideia de que um país pobre e dividido se consegue unir precisamente porque é pobre e dividido não ocorreria a ninguém, excepto ao dr. Cavaco (pelos motivos que acima se explicaram), ao bando de frenéticos que persistem em viver do Estado e aos diletantes persuadidos do valor da sua opinião ou com um irresistível apetite de notoriedade. Nenhum homem – ou mulher – inteligente e cordato se meteria voluntariamente nesta sopa turva. O “entendimento” futuro por que suspira Cavaco e uma dúzia de sábios a cair da tripeça talvez traga algum consolo espiritual e uma reputação de realismo. O que não traz é o mais leve vestígio de senso da realidade ou de franqueza.

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