A social-democracia não morreu!

A social-democracia é uma ideia, um projecto de sociedade. Como tal, nunca pode morrer.

O movimento político, económico e social que tem dominado o mundo ocidental desde a década de oitenta do século passado é o do progressivo desmantelamento do sistema político-económico denominado social-democracia (SD).

Isso é um facto e muitas razões têm sido apontadas como explicativas: a falência do modelo comunista dos países de leste, a dificuldade em manter as taxas de crescimento do mundo ocidental do pós-guerra, o envelhecimento populacional desses países ou as políticas liberalizadoras do comércio internacional e da circulação de capitias que promoveram a desindustrialização do ocidente, o aumento do desemprego, o dumping social e o aumento da desigualdade na distribuição do rendimento. Porém, uma coisa é observarmos e explicarmos um determinado fenómeno, outra é fazermos julgamentos prospectivos e valorativos. Isto é, podemos fazer as seguintes perguntas: desejamos que a SD desapareça? É inevitável que isso aconteça?

A resposta à primeira pergunta é normativa: quem gostar do modelo social-democrata, responderá que não. Quem o desconsiderar, responderá que sim. A segunda, já é mais objectiva e a resposta é inequívoca: não.

A verdade é que tem havido muita propaganda mediática argumentando que o sistema social-democrata faliu e que é insustentável. Que o mundo contemporâneo já não mais se compadece com tal modelo. Uns até dizem que o modelo era muito bom, mas não mais o podemos garantir. Penso que, aqui, importa uma clarificação: a SD é uma ideia, um projecto de sociedade. Como tal, nunca pode morrer. As ideais, uma vez criadas, são eternas. Podem cair no esquecimento, mas estão sempre prontas para serem recuperadas (quanto mais esta, que funcionou na prática). Outra coisa diferente é saber se há vontade política para que se mantenha a SD ou se as actuais regras do jogo mundial permitem a sua sustentação. E é nesses pontos que a SD tem tido dificuldades: muitos votantes têm cedido à tentação liberal e, objectivamente, as actuais regras da economia mundial dificultam (ou mesmo impossibilitam) a SD. Uma vez aqui chegados, uma outra pergunta surge: o que fazer? Aqueles que gostam da SD, e recordam o seu bom funcionamento entre as décadas de 50 e 70, têm que conseguir duas coisas: primeiro, convencer o eleitorado de que o modelo continua perfeitamente viável (necessitando, talvez, apenas de pequenos ajustes); segundo, garantir que existam alterações na ordem mundial que eliminem as iniquidades do actual modelo de globalização. A grande dificuldade põe-se a este segundo nível, onde a tomada de decisão é muito pouco democrática.

Direitos como as reformas, acesso ao ensino e à saúde, férias pagas, subsídios de doença e desemprego, contratação coletiva ou entraves ao despedimento, são tudo criações legais que podem existir ou não, dependendo da vontade das populações. O que aconteceu no mundo ocidental foi que as indústrias saíram desse espaço para outros onde esses direitos não existem. Com isso, descapitalizaram o mundo ocidental e tornaram a SD insustentável.

Na vida, já se sabe, não há almoços grátis. Se quisermos voltar a ter a SD no ocidente teremos que efectuar alterações profundas na ordem mundial: voltar a impor barreiras alfandegárias (impedindo o dumping social) e controlar os mercados de capitias e os offshore. Dificilmente isso acontecerá no curto prazo. Porém, a médio prazo (nem que, infelizmente, à custa de convulsões) estou convicto de que ocorrerão mudanças profundas, dado que o actual modelo de governação mundial, esse sim, é insustentável.

Economista, doutorado em economia da felicidade

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