A prova da ficção dos factos

Na política, verdade e mentira deixaram de ser opostas. Não faz diferença. Paciência. Mas a rubrica Campanhas de Ficção procura a verdade, principalmente se ela nos engana.

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A frase I

“Eu não sou um homem perfeito.” Passos Coelho, Março de 2015, algures na Península Ibérica, Europa, Planeta Terra, Sistema Solar.<_o3a_p>

O contexto
Isto foi dito, salvo erro, na altura em que o cidadão Passos Coelho soube, com espanto e amargura, que o actual primeiro-ministro tinha passado vários anos sem pagar as contribuições da Segurança Social. A essa informação inesperada juntou-se o aviso de que o jornal PÚBLICO descobrira o assunto e o ia divulgar. Só teve tempo de se calçar e correr para uma fila da Segurança Social às seis da manhã, como milhares de portugueses desempregados. Mas, em vez de pedir para lhe darem dinheiro para viver, teve de suplicar para o deixarem pagar a dívida, sobrevivendo na política.

Os factos
Pela segunda vez na vida, Passos Coelho admitia uma falha do seu intrínseco valor humano. Ele não é perfeito. Foi igual ao choque do dia em que Filipe la Féria o chumbou num casting de musical romântico. Mas a nota da sinceridade na imperfeição saiu-lhe afinada. Desde então, é perfeito outra vez, até enjoa tanta perfeição condensada num só homem neste mundo conturbado. A frase liga-se, como se sabe, à sua irmã gémea: “Não me lembro.” Quando Passos não sabia se a Tecnoforma lhe pagava ou não dinheiro todas os meses, não declarado, que acumulava com um trabalho em “regime de exclusividade” como deputado da nação.

Em resumo
Desde este “minuto de imperfeição”, Passos fala sem problemas sobre simplicidades como plafonamento vertical e horizontal da Segurança Social. E esta semana, no “debate decisivo” nas rádios, conseguiu entalar António Costa sobre mil milhões nos cortes das prestações sociais, se seria nas mínimas, nas máximas, e nos regimes contributivos, e não sei que mais, ah, e na “condição de recursos”, é isso mesmo, a condição de recursos, uma coisa que — vão-nos desculpar porque nós é que somos verdadeiramente imperfeitos — não entendemos patavina.

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A frase II<_o3a_p>

“É muito importante que as mulheres que desejam ter mais filhos sintam que a sociedade lhes reconhece também essa vontade de ajudar o país a crescer sustentadamente. E em segundo lugar porque assim sabemos exactamente quantos filhos é que estamos a reconhecer… no futuro. Quantos filhos é que estamos a reconhecer no futuro.” Passos Coelho, esta semana num comício cheio de mulheres, pelo menos parecia.<_o3a_p>

O contexto
Passos Coelho, como todos os chefes da direita portuguesa antes dele, teve o seu momento Axe: fazer de desodorizante que potencia a conquista todo o ano. Houve Santana Lopes e o seu gosto por “colinho de mulher”, por exemplo. Agora, e de um ponto de vista diferente, veio Paulo Portas defender que as mulheres é que “sabem organizar a casa e pagar as contas a dias certos” porque os homens não sabem fazer nada. Isto é, os homens são todos socialistas. Depois destas homenagens à emancipação da mulher portuguesa, Passos Coelho resolveu marcar, para memória futura, que na sua opinião também a mulher portuguesa só se sustentará na cama com um homem se, no acto da entrega, deitar dinheiro ao fisco. É o isco da “majoração das mulheres com filhos”. Quanto ao reconhecimento parental, se ela quiser mesmo saber quem foi o benfeitor (ou o valdevinos, na versão Portas) que a engravidou, a mulher deverá pagar sempre taxa moderadora. Mas isso não ficou esclarecido e é pena.

Os factos
Isto aconteceu, pelo menos os factos assim o indiciam, depois de um jantar de carne assada e muito vinho lá na província. O que se espera ainda das mulheres, quando a campanha começar a sério, é o que falta dizer. Mas a gente vai ver tudo na televisão, com bolinha vermelha.

Em resumo
Não se esqueçam: “É muito importante que as mulheres que desejam ter mais filhos sintam que a sociedade lhes reconhece também essa vontade de ajudar o país a crescer sustentadamente. E em segundo lugar porque assim sabemos exactamente quantos filhos é que estamos a reconhecer… no futuro. Quantos filhos é que estamos a reconhecer no futuro.” Os eleitores não podem esquecer o único ponto do programa da coligação PàF, Portugal à Frente, que se encontra totalmente esclarecido.

A frase III

“Eu não sou mentiroso.” Frase dita no “debate decisivo” entre Passos Coelho e António Costa<_o3a_p>

O contexto
Não nos lembramos.

Os factos
Também não nos lembramos.

Em resumo
Estávamos a mentir, claro que nos lembramos. A frase foi dita, mas por António Costa. O que só prova a habilidade política de Passos Coelho, que nunca diria tamanha alarvidade no actual momento. Ele é mentiroso mas não é maluco.

A frase IV

“Queremos colocar as desigualdades sociais e económicas no topo da agenda política nos próximos anos.” Passos Coelho na “Universidade de Verão do PSD”, em Castelo de Vide, fim de Agosto.<_o3a_p>

O contexto
‘Tá bem, abelha.

Os factos
“A resolução do BES não vai ter custos para os contribuintes portugueses.”

Em resumo
“Eu não vou cortar o 13.º mês, isso é um disparate.”

A frase V

“Isto está um bocado salgado.”<_o3a_p>

O contexto
Restaurante Comilão, poiso habitual de Passos Coelho.

Os factos
O dono do restaurante estava com a mão pesada para o sal nesse dia.

Em resumo
Eis uma verdade.

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