A política deve ser levada a sério

Pessoas com bom gosto, no uso integral das suas faculdades, com delicadeza e espírito subtil são pessoas com estética. Infringir as normas da estética não acarreta sanções de natureza jurídica. Pode acarretar juízos de valor de ordem política e social com consequências graves.

Manuel Pinho foi ministro da Economia. Num aceso debate parlamentar, não se conteve. Retorquiu ao líder parlamentar do PCP plantando chifres na cabeça, com um dedo de cada mão apontados ao hemiciclo. A Assembleia protestou. As galerias revoltaram-se . Uma ofensa grave. Um desaforo. As imagens voaram por esse mundo fora.

O ministro demitiu-se.  O Parlamento não permitia o excesso. 

 O gesto é impróprio. Sem desculpas. Esta mímica requer juízos severos de censura. Os autores devem ser expurgados da órbita  do poder político.

O ministro vestiu indumentária gestual incompatível com o poder. Este não pode descer ao degrau mais baixo da escala. Manuel Pinho não desenhou só um gesto obsceno. Iconoclasta, desrespeitou o poder. A sua estética. Torpedeou as diferenças. Poder é poder. Não se confunde nem mistura com quem obedece. Tem de ficcionar estar sempre muito mais no alto. O ministro não levou a política a sério. Descera.

António Pires de Lima é ministro da Economia. Governante sério. Destoa dos restantes membros do Governo. Transmite rigor e certa dose de desprendimento pelo poder. Não maça e enfada com a conversa circunvoluta dos políticos.

Numa sessão parlamentar versando o Orçamento de Estado, o ministro  deslizou. Abandonou a postura séria. Encolheu-se sobre a bancada. Entaramelou invectivas ao presidente da Câmara Municipal de Lisboa sobre “taxas e taxinhas”. Voz e postura visivelmente alteradas.

O ministro dissimulou esquecer que não há memória de governo com tanta voracidade tributária como o seu. Que quando António Costa chegou à Câmara, dizia o PÚBLICO há dias, uma miríade de 2270 taxas povoava Lisboa. Agora 200. Não é façanha. É um facto com significado político.

 António Pires de Lima regressou ao ministério. Remoeu e interiorizou. A peça circense não recolheu agrado no Parlamento. O povo também não apreciou. As televisões, conluiadas com a oposição, transmitiam sem cessar. A política imita as flutuações bolsistas: sobe, logo desce. É ingrata. Devíamos ter entendido que era ironia! Não pediu desculpas. As desculpas, reconhecendo o erro, enfraquecem a imagem do poder.

 Talvez a coisa passe. Um só procedimento desastrado pode deitar tudo a perder. Ocorreu-lhe Raul Solnado: “ O humor é coisa muito séria”. Humor e ironia são uma arte. Não estão ao alcance de todos.

O ministro não atentou no seu estatuto de poder. Tem de pousar e posar do cume do poder. Não se misturar. Confundir-se. Desvirtua a pirâmide hierárquica. Tem de pretender, de ficcionar estar num grau sempre muito mais elevado. 

Permanece a imagem de um governante encolhido e corcovado sobre a bancada. Um olhar lá atrás dos óculos, um semblante alterado, um sorriso largo e malandreco. Voz pachorrenta, arrastada. Entaramelada. Um esgar.

O ministro não levou a política a sério. Beliscou a estética do poder sedeado no Parlamento. A comédia é inestética. Fato não talhado para corpo de ministro. O ridículo é mortífero.

Procurador-geral adjunto

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