A mulher de César, morta e enterrada

"À mulher de César não basta ser séria, é preciso também parecê-lo". Como os comentadores, políticos e jornalistas adoram dizer esta frase!

Mas parece que estão decididos a aplicá-la literalmente apenas a uma das mulheres de César: Cornélia, Pompeia ou Calpúrnia (na verdade, só Pompeia, de quem César se divorciou por um adultério que não chegou a existir).

Ora eu quero lá saber do que faz a mulher de César; é ao próprio César que devemos escrutinar. Os mesmos comentadores que repetem a frase sobre a mulher de César são os primeiros a baixar as armas para o marido dela. Aí, a regra parece ser: César não tem que sério, César não precisa de parecer sério e, para mais, já toda a gente percebeu que César não é de todo sério. César só precisa de cara de pau e uma história qualquer.

É o que se está neste momento a passar com Pedro Passos Coelho. O atual primeiro-ministro não está a ser sério em relação ao seu passado na Tecnoforma; não está sequer a parecer sério. Mas com alguma lata e algo para dizer, Pedro Passos Coelho pode escapar-se.

Nos anos 90, Pedro Passos Coelho já colaborava com a Tecnoforma, a ponto de ser fundador e presidente da ONG da empresa. Este facto foi omitido das declarações à Assembleia da República, de que Passos Coelho era deputado. Não se sabe que fazia esta ONG; aparentemente, em três anos, nada. O máximo de que Passos Coelho se lembra é de uma universidade em Cabo Verde que nunca chegou a acontecer. Na sua biografia política, Passos Coelho não diz nada sobre o Conselho Português Para a Cooperação, que galhardamente dirigia. É legítimo dizer que a sigla CPPC, da caridosa organização, significava sobretudo "Cooperar com o Pedro Passos Coelho". E, claro, com o inenarrável Miguel Relvas: o episódio da formação de inexistentes funcionários para semi-existentes aeródromos da zona centro, com o qual a Tecnoforma pôs uns milhões comunitários ao bolso, seria hilariante se não fosse trágico. É inevitável olhar para aquela cultura empresarial e política e ver nela o catálogo dos nossos mais vergonhosos erros: do desperdício de fundos comunitários aos abusos das redes de influência, das escapatórias fiscais às mentiras e encobrimentos. Passos Coelhos foi comparticipante, voluntário e autor de toda essa vergonha.

Pedro Passos Coelho colaborou com uma empresa sem comunicar tal facto ao parlamento, participou de ações dessa empresa que se destinava a obter fundos comunitários para projetos inexistentes ou, na melhor das hipóteses, semi-existentes, e foi presidente de uma ONG de cooperação que nunca cooperou nada que se visse, e que provavelmente nunca teve tal intenção. E isso sem entrar na questão ainda por responder de quanto dinheiro recebeu ele, direta ou indiretamente, por trabalho que parece ter sido pouco mais do que nada.

Não se sabe ainda se Pedro Passos Coelho cometeu um crime ou vários, mas sabe-se que participou em algumas das mais perniciosas práticas da política e da economia no Portugal dos anos 90. A mulher de César morreria de vergonha. Qualquer delas.

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