A memória deles pode ser curta, a minha não

A Guiné Equatorial torna-se hoje membro de pleno direito da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) por aceitação unânime de todos os Estados-membros. Apesar das denúncias de detenções arbitrárias e execuções, apesar das torturas e desaparecimentos, apesar da corrupção desenfreada e desmascarada. Pergunto, hoje, no que se tornará a CPLP?

Os actuais líderes da CPLP regozijam-se com a entrada da Guiné Equatorial na CPLP, pelos benefícios, o investimento, a "dimensão económica estratégica" trazidos por este país de riquíssimos recursos naturais, que abre oportunidades sem par para as empresas dos restantes países. Todos ganhamos, juram eles. Mas a entrada da Guiné Equatorial presta-se, desde já, a ensombrar a imagem da CPLP. Pois confere um carimbo de respeitabilidade internacional a um regime ditatorial que procura lavar mais, e mais facilmente, no exterior, os proveitos da tirania e da corrupção.

Depois, as declarações dos principais instigadores desta evolução sugerem que o objectivo é tornar a CPLP, a partir daqui, numa verdadeira central de negócios e negociatas. Uma evolução que servirá, certamente, políticos sem escrúpulos nem vergonha, que pela "porta giratória" saíram de governos para se converterem em administradores de empresas e "banqueiros". Uma evolução, advogam, deitando às urtigas não apenas a reputação e o potencial da CPLP, mas também a segurança, o progresso e os interesses estratégicos dos seus povos, que obviamente têm de assentar no respeito pelo Estado de Direito, a democracia e os direitos humanos.

A sociedade civil lusófona, nos diversos países da CPLP, empenhou-se nos últimos anos numa campanha, à qual eu desde o início me associei, para tentar fazer ver aos governos dos Estados-membros da CPLP a aberração e o perigo de cooptarem o regime ditatorial de Malabo. Tinha-se esperança num pouco de bom senso, nalguma réstia de decência, num mínimo de responsabilidade política que desse sentido aos princípios fundadores consagrados nos Estatutos da CPLP. Hoje, oficialmente, tornados letra morta, assassinados pelo dinheiro sujo da cleptocracia Obiang, à qual os governos dos países lusófonos despudoradamente se vergam.

Em Portugal, a moeda de troca foram meia dúzia de contratos de construção, sem quaisquer garantias, assumidos por algumas empresas sob duvidosíssimo patrocínio político. E foi a prometida injecção de capital no BANIF, banco resgatado com dinheiro dos contribuintes. E ainda um possível investimento no BCP, já controlado pela petrolífera estatal angolana. Pergunto-me se ficarão descansados os accionistas, investidores e depositantes destes bancos e empresas, quando passam a depender e a ser identificados como parceiros de um regime notoriamente criminoso e sem escrúpulos, que enfrenta processos judiciais em França e nos Estados Unidos por criminalidade económica e financeira? E as entidades reguladoras, poderão considerar que estes são investimentos saudáveis e isentos de riscos para as instituições bancárias e para a economia portuguesas?

Há alarmantes riscos decorrentes da promiscuidade empresarial com o regime de Obiang: veja-se o caso do empresário italiano Roberto Berardi, que criou uma empresa com o vice-presidente Teodorin Obiang: após detectar e questionar o esquema de desvio de fundos utilizado por Obiang através dessa empresa, foi preso na Guiné Equatorial e tem sido torturado, encontrando-se neste momento em risco de vida.

Resta sublinhar que não baixaremos os braços. A campanha de escrutínio internacional pela democratização da Guiné Equatorial está, de facto, a começar. É para mim também uma forma de vencer a tristeza de ver a adesão da ditadura de Obiang à CPLP ter lugar na cimeira em Díli, Timor-Leste, com o apoio de governantes que outrora tão corajosamente encabeçaram a luta do seu povo contra outro regime opressivo e ladrão. A memória deles pode ser curta, a minha não.

Eurodeputada (PS)

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