A lei e ética como limites da acção política

A oferta de prendas pode potenciar um clima de cumplicidade e de predisposição à aceitação das pretensões dos ofertantes.

As viagens dos três secretários de Estado que aceitaram o convite da Galp para assistir aos jogos da selecção, em França, com viagem, alimentação e bilhete pagos, provocaram na sociedade portuguesa um onda de protestos, muitos dos quais pedir a sua demissão. O Governo limitou-se a prometer um código de conduta e a PGR abriu um inquérito.

Todos ainda nos recordamos que um dos arguidos do processo “Face Oculta” oferecia centenas de prendas no Natal a políticos, autarcas, gestores públicos e outros funcionários do Estado que, segundo o Ministério Público, se “destinavam a garantir cumplicidades, obter vantagens e facilitar favores para as suas empresas”.

Este e outros casos do género têm a vantagem de trazer para a discussão pública a questão dos “favores” e “prendas”, oferecidas a quem trabalha na esfera pública e tem poder de decisão. A lei pune os funcionários públicos e os titulares de cargos políticos, que, no exercício das suas funções ou por causa delas, solicitar ou aceitar, vantagem patrimonial ou não patrimonial, que não lhe seja devida. Ressalva, porém, “as condutas socialmente adequadas e conformes aos usos e costumes”.

O núcleo da questão reside em determinar se essas prendas ou vantagens patrimoniais são meras ofertas efectuadas por cortesia ou amizade ou se são efectuadas para obter e pagar favores. Se, relativamente ao nexo de causalidade entre a oferta e o respectivo favorecimento já é difícil a provar, essa dificuldade é acrescida pelo facto de o legislador se limitar a remeter para os “usos e costumes” e não quantificar o valor a partir do qual, o facto é punível. Todos sabemos que a oferta de prendas pode potenciar um clima de cumplicidade e de predisposição à aceitação das pretensões dos ofertantes.

Compete, em primeira linha, ao Parlamento e aos partidos, muito especialmente aos da oposição, exercer as suas funções democráticas, procedendo a uma fiscalização pública permanente das actividades governamentais e administrativas, de modo que a opacidade dê lugar à transparência da vida pública. Mas, para que o combate a este tipo de crimes seja verdadeiramente eficaz deve partir também dos próprios cidadãos, desde logo, ao não pactuarem com situações menos transparentes. Porém, de nada valerão todas estas iniciativas enquanto a justiça não funcionar eficazmente e a um ritmo aceitável.

Mas, a actividade política não tem apenas como limite a lei, porquanto a sua acção é também limitada pela ética, que deve funcionar como regra subsidiária da lei. Para os políticos que têm dificuldade em compreender as regras da ética na política, recorda-se o famoso princípio filosófico de Kant: “Procede de tal maneira que a máxima da tua acção possa ser erigida como princípio de legislação universal”.

A Associação Cristã de Empresários e Gestores (ACEGE) publicou um “Código de Ética Empresarial” com o objectivo de pugnar pela luta activa contra todas as formas de corrupção “eliminando qualquer forma de pagamentos, favores ou cumplicidades no sentido de obter vantagens ilícitas, tendo particular atenção a todas as formas subtis de corrupção, como por exemplo, as ofertas ou recebimentos de clientes e/ou fornecedores”. O referido Código abrange matérias como “a ética pessoal e profissional”, “obrigações éticas na acção empresarial” e “transparência da actuação das empresas”. Será que os responsáveis da Galp estão dispostos a aderir aos valores e princípios contidos neste documento e a procurar a aplicá-los e divulgá-los? O Presidente da República já disse o que pensava acerca desta matéria, ou seja, acerca da transparência na vida pública, dos gastos públicos e da confusão entre o poder político e económico. Será que o Governo está disposto a seguir o seu exemplo? Ou prefere pactuar com este tipo de comportamentos, actuando como se nada fosse com ele?

Juiz desembargador jubilado

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