A ineficácia dos inquéritos parlamentares

O inquérito parlamentar sobre os submarinos veio trazer a público, com mais evidência, a ineficácia desse tipo de inquéritos.

O direito de proceder a inquéritos é uma das formas de a Assembleia da República (AR), independentemente de outros órgãos do Estado, proceder à obtenção de informações necessárias ao exercício da atividade política de controlo – uma das mais importantes da AR – através da dupla função de inspeção e fiscalização (art. 162.º e 178.º da CR). Para o efeito, a AR pode constituir comissões de inquérito que “gozam de poderes de investigação própria das autoridades judiciais”, sendo que o valor jurídico das respetivas conclusões não é o mesmo das sentenças judiciais. Os seus efeitos são meramente políticos, podendo traduzir-se em recomendações diretivas. De acordo com a Constituição e o Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, as comissões têm o direito a coadjuvação das autoridades judiciárias, dos órgãos de polícia criminal e das autoridades administrativas. Como se vê, não é por insuficiência dos meios que os inquéritos não chegam à verdade dos factos.

O inquérito parlamentar sobre os submarinos veio trazer a público, com mais evidência, a ineficácia desse tipo de inquéritos, a justificar uma reforma na composição das respetivas comissões. O relatório do inquérito dos submarinos, já aprovado pela maioria, formada pelo PSD e CDS, deu origem a uma declaração conjunta de toda a oposição, imputando graves acusações à relatora do processo e à maioria a que pertence: “relatório viciado, inquérito inacabado, branqueamento, vontade de abafar o debate, seleção tendenciosa de depoimentos”, etc. Muitas outras acusações foram trocadas entre todos os intervenientes no processo. Mas este tipo de acusações existiu em muitos outros inquéritos já realizados, lançando, justificadamente, sérias dúvidas sobre a atividade investigatória dos deputados.

Aos olhos da opinião pública fica a ideia de que nem sempre os elementos que constituem as comissões estão interessados na procura da verdade material, sobretudo quando tal verdade põe em causa os erros ou a honorabilidade dos partidos atingidos pelo inquérito.

Na sua evolução, as comissões de inquérito, após o seu surgimento em Inglaterra, espalharam-se por outros países, nomeadamente para as assembleias das colónias inglesas, EUA e Europa, chegando a Portugal apenas em 1976.

Na sua origem, para não transformar as comissões de inquérito em instrumentos de propaganda dos partidos e animosidade pública dos inquiridos, a composição desses órgãos não obedecia aos critérios partidários. Por outro lado, o uso limitado dos inquéritos revela o cuidado que os ingleses tinham em ignorar acusações incertas, incumbindo a tarefa das investigações a órgãos externos.

A nossa experiência parlamentar vem revelando a quase total ineficácia dos mesmos, uma vez que se transformaram, como se disse, em meros instrumentos de arremesso político por parte das maiorias parlamentares, por vezes, pouco ou nada preocupadas com a investigação da verdade dos factos. Perante tal ineficácia, pergunta-se se não será altura de tal tarefa ser entregue a um órgão externo à Assembleia da República ou, pelo menos, entregar a presidência das comissões a uma entidade externa, que bem poderia ser um magistrado judicial, nomeado pelo Conselho Superior da Magistratura ou pelo Presidente da República.

Juiz desembargador jubilado

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