A importância do Presidente da República

Nem Cavaco é excepção, nem o órgão de soberania Presidente da República vai deixar de ser um actor central do sistema. Por isso, a sua eleição deve ser o centro de todas as atenções e cuidados.

É máxima a importância das eleições presidenciais convocadas para 24 de Janeiro. É-o não só pela sensibilidade e ineditismo do momento político, mas acima de tudo pelo papel intrínseco ao primeiro órgão de soberania no sistema político português. Esta atenção deve-se ao peso e destaque que o cargo Presidente da República encerra em si, independentemente de quem o ocupa.

É determinante o papel do Presidente da República para o funcionamento do sistema político português. Este assenta num equilíbrio de pesos e contrapesos (check and balances) em que propositadamente se entrelaça a autonomia própria dos dois principais órgãos de soberania, Parlamento e Presidente.

O perfil constitucional do Presidente da República é feito de modo a que este seja um árbitro do sistema. Além do exercício da magistratura de influência, o Presidente tem poderes de veto político de leis e de conduzir ao seu chumbo através da sua fiscalização preventiva.

Mas tem também poderes máximos e decisivos que lhe dão a capacidade de ditar ou não o fim de um governo: o poder de dissolver a Assembleia da República e convocar eleições, conhecido por “bomba atómica”, e o poder de demitir o primeiro-ministro e nomear outro com origem no apoio da maioria do Parlamento – este último nunca foi usado.

O desgaste que o Presidente da República tem tido nos últimos meses e anos é fruto da acção do actual ocupante do cargo, Cavaco Silva, mas é sobretudo consequência da época em que vivemos. Hoje em dia, a mediatização da política e o carácter imediatista que a informação tem, em consequência do que é o funcionamento em rede (web), associado ao frenesim da comunicação nas redes sociais, criam uma pressão sobre a política que causa um aceleradíssimo desgaste nos actores políticos.

É certo que Cavaco Silva tem as suas peculiaridades: não é um comunicador nato, tem falta de jeito para a mediatização, aparenta timidez para quem tem longa experiência política. Mas nenhuma das suas atitudes no exercício do cargo de Presidente esteve para além do guião constitucional do mais alto magistrado e árbitro do sistema político. Nem quando vetou leis e polemizou, por isso, com José Sócrates. Nem quando dissolveu o Parlamento após a demissão do primeiro-ministro socialista face à coligação negativa que chumbou o PEC IV na Assembleia da República. Nem quando tentou fazer uma grande coligação de governo que juntasse o PSD, o PS e o CDS. Nem quando procurou que o PCP e o BE ficassem fora do “arco da governação”.

Por muita que tenha sido a tensão política que, por exemplo, assolou o país após a crise da revogável demissão irrevogável de Paulo Portas, ou a que se viveu quando da queda do segundo Governo de Passos Coelho derrubado pela moção de censura da esquerda, em nenhum momento Cavaco Silva ultrapassou os limites constitucionais do seu cargo. E por muito inusitada que pareça a tensão, ela não ultrapassa o clima de confronto que se viveu já com outros presidentes.

Os presidentes portugueses eleitos em democracia foram todos interventores e todos fizeram questão de mostrar que tinham ideias próprias, autonomia política e respondiam pelo poder de quem tinha sido eleito com mais de cinquenta por cento dos votos em eleição directa e universal. Ramalho Eanes foi-o tanto que Mário Soares e Pinto Balsemão fizeram uma revisão constitucional contra ele e este acabou o segundo mandato a formar um partido político, o PRD.

Mesmo quando os poderes foram reduzidos, os presidentes não se sentiram limitados. Soares viveu em tensão com Cavaco, então primeiro-ministro, tanto que até organizou um congresso para mostrar ao líder do PS, António Guterres, o tipo de modelo a seguir nos Estados Gerais. A tensão foi tal que deu origem a momentos como o retratado numa primeira página de O Independente, mostrando Cavaco no Pulo do Lobo, no meio do Alentejo, afirmando não saber o que era o Portugal Que Futuro?

Já Jorge Sampaio acabou a dissolver a AR e a antecipar eleições, seis meses depois de ter aceitado substituir o primeiro-ministro da maioria PSD CDS, trocando Durão Barroso, a pedido deste, por Santana Lopes. Uma decisão que criou tensão no país, suspenso da decisão. Os jornalistas acamparam em Belém quinze dias para relatar audiências em cascata. No fim, Ferro Rodrigues demitiu-se de líder do PS em protesto contra o seu amigo Jorge Sampaio por este não ter convocado eleições.

Uma coisa é viver o momento, ver a história a acontecer à frente dos nossos olhos e as emoções que se exacerbam. Outra coisa é olhar para trás e lembrar o que resta na nossa memória pessoal, parcial e desfocada. E que apenas a história reconstituirá devidamente. Por isso, nem Cavaco é excepção, nem o órgão de soberania Presidente da República vai deixar de ser um actor central do sistema. Por isso, a sua eleição deve ser o centro de todas as atenções e cuidados.

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