A importância de um pulmão urbano

A humanização da 2.ª Circular é um objectivo meritório e não é sequer inédito.

As críticas que têm sido feitas ao projecto de reconversão da 2.ª Circular são uma demonstração de como parte do país vive mergulhado num passado e obedece a critérios e a lógicas que além de desfasadas não têm em conta o interesse público. A obra anunciada pela Câmara de Lisboa tem como objectivo humanizar uma via importante da capital. Orçará em cerca de 10 mil milhões de euros e estender-se-á pelos perto de 10 quilómetros de estrada, bem como intervirá nas mais de três dezenas de entradas que a servem.

Em causa está a repavimentação tendo em conta a redução de ruído já que a 2.ª Circular atravessa áreas habitacionais, mas também a arborização da via com a construção de um separador central que ocupará 3,5 metros de largo e no qual serão colocadas cerca de oito mil árvores ao longo de todo o percurso à excepção das zonas de viaduto. Estas transformações incluem a baixa do limite máximo de velocidade automóvel de 80 para 60 quilómetros por hora.

As críticas têm sido protagonizadas por figuras que vão desde o ex-vereador eleito pelo PS, partido que governa a Câmara, Fernando Nunes da Silva, até Carlos Barbosa, o presidente do Automóvel Clube de Portugal, que se assume como representante dos automobilistas, e também pelas figuras da oposição camarária, os representantes do PSD e do CDS na autarquia.

A discordância e o debate político e técnico sobre um projecto desta envergadura é normal e é mesmo desejável. É positivo numa sociedade democrática que as questões sejam levantadas, as duvidas esclarecidas, as intenções políticas questionadas. É, aliás, para isso que o projecto está em debate público. Mas uma coisa é o debate público, outra é o ataque sem razão ou baseado em argumentos que chegam a ser risíveis.

É evidente que a cidade não é um objecto morto, é uma realidade complexa e dinâmica, em permanente transformação e crescimento. E essa realidade existe para servir as pessoas que nela habitam e lhe dão sentido e razão de ser. O urbanismo é hoje uma das principais áreas de intervenção e debate político e uma das questões centrais que devem preocupar as forças políticas. Pela simples razão que a política é feita para servir as pessoas, todas as pessoas, e melhorar o quotidiano dos habitantes de uma cidade é o objectivo da gestão política não só a nível local como a nível nacional, num mundo em que a vida nas cidades está associada a temas como a segurança e o terrorismo.

Ora, criticar a obra anunciada pela Câmara de Lisboa pelo facto de que vai baixar a velocidade e prejudicar a circulação na cidade, defender que é desnecessário e despesista a opção de plantar cerca de oito mil árvores, ou até sustentar que a arborização da 2.ª Circular pode perturbar o trânsito aéreo devido à proximidade do aeroporto é de facto o recurso a uma argumentação pobre, desajustada e até ridícula.

O que é mais extraordinário nalgumas críticas é que parecem desconhecer a cidade e a sua história. A 2.ª Circular chama-se assim porque teve como função em dado momento da história de Lisboa e do seu crescimento urbano servir a cidade como estrada da circunvalação. Ou seja como via de distribuição de trânsito num anel exterior da cidade. Antes da 2.ª Circular surgir, a via que servia de 1.ª Circular era o eixo constituído pela Avenida João XXI e a Avenida de Berna, que hoje são pacíficas e meras avenidas urbanas, entretanto engolidas e assimiladas pela malha habitacional circundante. Com o evoluir da cidade, a 2.ª Circular deixou de ser uma mera estrada da circunvalação. Não só porque está envolvida numa malha habitacional que entretanto cresceu, como a sua função de distribuição de trânsito foi posteriormente substituída pela CRIL.

Assim, a humanização da 2.ª Circular e a sua inclusão na malha habitacional em que está inserida, bem como a preocupação da Câmara em que esta via sirva as pessoas e o seu quotidiano é um objectivo meritório e não é sequer inédito. Isto porque, quando foi feita a ponte laranja da Galp foi afirmado e anunciado que o objectivo de humanizar esta via existia e ia prosseguir.

Em relação ao argumento da concentração de pássaros nas árvores, que pode prejudicar o trânsito aéreo, basta lembrar que o Aeroporto de Lisboa é cercado por pelo menos três parques: o Parque José Gomes Ferreira, a Quinta da Bela Vista e a Quinta das Conchas. Não parece que os aviões que aterram e levantam voo em Lisboa passem a tropeçar mais em pássaros do que já tropeçam por causa do acréscimo de cerca de oito mil árvores na 2.ª Circular.

Quanto ao despesismo e à desnecessidade do plantio de cerca de oito mil árvores, é pena ver que o critério economicista seja usado para atacar um projecto que tem o interesse público precisamente de dar à cidade mais uma importante mancha verde, mais um significativo pulmão urbano. Ou seja, uma medida que se insere nas preocupações urbanísticas que têm como objectivo servir as pessoas e melhorar o seu quotidiano.

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