A importância das autárquicas

No limite, António Costa pode até decidir armadilhar os entendimentos com os parceiros de maioria parlamentar e provocar eleições legislativas antecipadas.

As próximas autárquicas são o principal desafio político de António Costa e serão um momento de viragem para o Governo. Não só porque está obrigado a ganhá-las, uma vez que a renovação da maioria absoluta pelo PS-Açores nas regionais não serve para destas eleições ser feita uma leitura nacional, mas sobretudo porque está obrigado a ganhar umas eleições nacionais.

É evidente que se o PS perder a maioria das câmaras — e, decorrente disso, a presidência da Associação Nacional de Municípios Portugueses, assim como algumas das principais cidades, a começar por Lisboa — a consistência do poder governamental do primeiro-ministro sai fortemente melindrada. Mas nada indica, dos dados que se conhecem hoje, que seja previsível uma hecatombe socialista nas eleições nacionais de 2017.

As autárquicas têm uma importância crucial para António Costa, tão essencial que a própria data da sua realização será um factor determinante e estará seguramente a ser ponderado pelo estado-maior dos socialistas. Estas são as únicas eleições cuja convocação e marcação compete ao Governo. Ora a lei das eleições locais determina que a janela temporal para a sua realização cabe “entre 22 de Setembro e 14 de Outubro do ano correspondente ao termo do mandato” (art. 15.º). E o que é facto é que se o Governo marcar a consulta às urnas logo para o início do prazo legalmente previsto, vai poder evitar a contaminação da campanha eleitoral na negociação do Orçamento do Estado para 2018 com os parceiros de maioria parlamentar, BE, PCP e PEV.

Mais do que não deixar confundir os dois momentos, autárquicas e negociações finais sobre o OE2018, o que a consulta às urnas (por exemplo, a 17 ou a 24 de Outubro) permitirá a António Costa é este poder finalizar essa negociação do OE2018 em posição de força, tanto maior quanto maior for a dimensão da sua vitória. No limite, pode até decidir armadilhar os entendimentos com os parceiros de maioria parlamentar e provocar eleições legislativas antecipadas.

António Costa detém a actual situação política na mão. Não tem oposição interna nem externa. O PSD continua refém da sua governação anterior e Pedro Passos Coelho ainda não conseguiu definir uma linha de oposição que seja uma alternativa. E parece pouco provável que a Comissão Europeia venha a levantar obstáculos reais ao OE2017, que está em análise em Bruxelas. As exigências de austeridade são mantidas. E, mesmo que venham a ser precisos retoques, não é expectável nenhum confronto real entre os comissários europeus e o Governo português.

António Costa conseguiu, aliás, manter a austeridade, demarcando-se da estratégia e das opções identificadas com o anterior Governo PSD-CDS e com a intervenção da troika. Teve criatividade política e visão para conseguir, dentro das limitações de receita, reorientar a redistribuição de riqueza com impacto social e político. E a forma como o fez é mais uma demonstração da sua capacidade política. É uma evidência, aliás, que, mais do que um estadista, António Costa é o primeiro-ministro mais político desde Mário Soares.

Integrou o PCP e o BE na esfera de decisões sobre a gestão do Estado, conseguindo com isso a “paz social”. Mas é importante não desvalorizar que impôs aos partidos à sua esquerda que estes perdessem a atitude sistemática de contrapoder e ganhassem responsabilidade institucional. É certo que fez tudo isso com doses maciças de propaganda, mas aí também reside e se demonstra em parte a sua capacidade política. Ou seja, usa como qualquer político a gestão do Orçamento do Estado para obter sucesso político.

O OE2017 é a demonstração disso. Nele está espelhada a aposta na descentralização de competências, que tinha já prometido para 2017, mas também a descentralização de verbas de que os municípios vão dispor em ano eleitoral. Uma gestão eleitoralista que não é nova, mas é patente. E que produzirá resultados nas autárquicas deste ano, eleições decisivas para a estratégia governativa de António Costa.

sao.jose.almeida@publico.pt

Jornalista. Escreve aos sábados

 

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