A extrema-direita em Portugal quer dar nas vistas, mas é “irrelevante”

Só salta para as páginas dos jornais quando há algum acontecimento ou quando o contexto internacional lança inquietações e levanta o medo de contágio. Mas politicamente, em Portugal, só à lupa a extrema-direita se consegue ver.

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Manifestação em Julho no Martim Moniz Nuno Ferreira Santos

O Brexit já tinha provocado os seus efeitos. Depois Donald Trump vence as eleições nos Estados Unidos. Líderes nacionalistas europeus congratulam-se com a chegada de Trump à Casa Branca. Por cá, no mesmo dia em que o recém-eleito Presidente dos EUA insiste em expulsar dois a três milhões de imigrantes, há duas manifestações a acontecer no Martim Moniz, uma que luta pelos direitos dos imigrantes e outra, promovida pelo PNR, que não os quer no país. O que significam estes acontecimentos em Portugal? Há motivos para recear um contágio, para temer a extrema-direita? A resposta, para já, é não. Mas Trump também não ia ganhar, ironiza o politólogo Carlos Jalali.

Para o politólogo André Freire, a extrema-direita em Portugal é, pelo menos do ponto de vista estatístico e eleitoral, “inexistente”, “irrelevante”. “Não estou a dizer que deva ser desvalorizado, mas eles são bastante fracos. São grupos com pouco peso, não quer dizer que não possam ter mais, mas nós não temos muitos imigrantes”, diz.

Em Portugal, o PNR tem uma expressão eleitoral reduzida (nas legislativas, ficou-se pelos 0,5%, ainda assim, mais do que os 0,32% em 2011. “Não quer dizer que não haja algumas atitudes mais difundidas, mas como conjunto coerente e projecto político não creio que haja grande alastramento na sociedade portuguesa”, acrescenta André Freire.

Ricardo Marchi, do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE-IUL, explica essa falta de expressão com o facto de o PNR fazer um discurso anti-imigração e anti-islâmico referindo, que Portugal não se deve tornar como a França, a Bélgica, mas essa mensagem “de oposição a ‘o que poderia ser’ - e não ao que é - tem escassas possibilidades de atrair militantes e eleitores num país que não vive as emergências ligadas ao multi-culturalismo”.

“Medo da globalização”

O politólogo Carlos Jalali também entende que há “uma certa vaga de populismo nas democracias contemporâneas, que tem como núcleo central uma perspectiva antielitista”, segundo a qual os políticos “não ouvem o cidadão comum”. Neste universo, há dois temas recorrentes: o antieuropeísmo e a questão da imigração. Mas em Portugal esta última nem chega a ser uma questão, alerta Jalali: “28% dos europeus considera a imigração um dos dois temas mais importantes que o seu país enfrenta, de acordo com o Eurobarómetro de Maio de 2016. Em contrate com esta média europeia, Portugal surge com apenas 3%”. Se, continua, o tema é o segundo mais importante para os europeus (a seguir ao desemprego), em Portugal a imigração surge no fim da lista das preocupações, é a 10º em 13. Perigo de contágio? “Não me parece que vá haver grande politização dos temas da imigração em Portugal, no sentido de haver uma vaga de partidos com discurso anti-imigração a conseguir mobilizar muitos eleitores.”

Também a politóloga Marina Costa Lobo considera que “o peso da extrema-direita em Portugal é muito reduzido. O impacto é muito diminuto. Tem a ver com razões socioeconómicas, o peso dos migrantes é reduzido e tem vindo a diminuir com crise”. Mais: “As lideranças políticas do PNR tem tido muito pouca força e capacidade de chegar aos media principais.”

O “medo da globalização”, continua, leva o norte da Europa e os países mais ricos a um “populismo de direita, ligado à preservação de territórios e de fronteiras”. No sul, prossegue, leva a um “populismo de esquerda” que se traduz em discursos contra a Europa e pelo fechamento económico, mas sem questões identitárias. Marina Costa Lobo não teme a extrema-direita em Portugal: “Não me parece que seja uma questão de grande relevância em Portugal.”

O PNR não se formou como muitos outros partidos. O que fez foi pegar no PRD (Partido Renovador Democrático): “Resolveram utilizar o PRD que tinha tido algum sucesso parlamentar nos anos 80 à volta de Ramalho Eanes, mas que no final dos 90 já se encontrava sem actividade. Os militantes nacionalistas simplesmente ingressaram no partido, conquistaram a direcção, acertaram as dívidas e a seguir mudaram nome para PNR”, conta Riccardo Marchi.

Para este investigador, o PNR não tem expressividade, porque “a realidade social portuguesa é muito diferente da que se vive na França, Bélgica, onde a sociedade multicultural e multirracial é evidente e há bairros com minorias muçulmanas, muito mais marcada do que a portuguesa”. Ora, diz, “fazer o discurso anti-imigração em 80% do território nacional, onde não há imigração, não afecta o cidadão, não consegue mobilizar. Tanto que o discurso do líder do PNR é sempre no futuro: ‘não queremos que Portugal se torne a França, Bélgica…’. É o discurso que ele faz há muitos anos.”

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