A despedida

É urgente que haja uma mudança de cultura de poder em Portugal.

Cavaco Silva fez o seu último discurso como Presidente da República numa cerimónia de celebração do 25 de Abril.

Foi assim um discurso de despedida do momento simbólico da celebração da democracia portuguesa, no qual Cavaco voltou a ser igual a si mesmo, insistindo na ideia de que os partidos políticos têm de entrar em entendimento sobre a linha de orientação que a governação deve seguir e garantir a estabilidade de um governo que lance a nova fase do país, após a intervenção da troika e num período em que o país continuará monotorizado pela Comissão Europeia.

O Presidente apelou a entendimento futuro e a um tipo de governação que tire Portugal do vermelho orçamental, o que, de facto, é um objectivo necessário para garantir o desenvolvimento do país e a sua sustentabilidade. Um objectivo que Cavaco Silva tem desejado ver concretizado ao longo do seu mandato, mas que só poderá ser concretizado dentro dos padrões e das regras definidas pela União Europeia, as quais não irão mudar enquanto não mudar a orientação política e ideológica da maioria dos governos da União Europeia.

É nessa realidade concreta da União Europeia e da situação financeira e orçamental portuguesa que irá ser ensaiado o futuro do país pelo próximo Governo, seja quem for que ganhe as eleições. E são essas as condicionantes que determinam as opções dos partidos que concorrem às legislativas. Assim como essa é a razão porque não há grande margem de opções para um próximo governo, embora seja já possível perceber que quer o PSD, quer o PS têm soluções diversas, o primeiro prosseguindo a orientação de austeridade com que governou, o segundo apostando na devolução de poder de compra aos trabalhadores como estímulo à economia e à criação de emprego.

Pelas mesmas razões, são impossíveis de aplicar, no actual quadro europeu, as soluções defendidas por partidos como o PCP ou o BE, embora haja diferenças entre ambos e o BE seja um partido que é claramente favorável à manutenção de Portugal no euro. Se havia dúvidas sobre a dificuldade de convencer a maioria da União Europeia, elas têm sido esclarecidas com as actuais negociações que decorrem com a Grécia.

A importância do discurso de Cavaco Silva no passado sábado é precisamente essa, a de alertar para o caminho estreito que o país vai ser obrigado a seguir, neste fim de ciclo. Um ciclo a que Portugal chegou quatro décadas depois do 25 de Abril e que acabou por se revelar um pesadelo que contrasta com os sonhos que foram idealizados quando as revoluções se faziam com cravos nas espingardas. Sonhos que então eram diversos, mas de grandeza em relação ao futuro do país. Por maiores que fossem as diferenças entre a esquerda e a direita, todos projectavam um futuro para o país que era positivo. Daí que seja absurdo haver quem se sinta dono do 25 de Abril e considere que o direito a celebrá-lo pertence só a uns e não a todos.

Por mais difícil que seja a situação dos portugueses nos 41 anos do 25 de Abril, era importante que todos se consciencializassem como é urgente uma mudança radical nas expectativas e na forma de gerir o Estado e o bem comum. Era necessário que os agentes do poder, em particular os que estarão em condições de governar, tivessem noção — e a publicitassem — de que já não há espaço para se ser inconsequente, que as pessoas não estão disponíveis para acreditar em vendedores de ilusões grátis que se desfazem ao primeiro banho de realidade.

Quando se preparam eleições legislativas, momento que será o marco simbólico do arranque de um novo ciclo político — arranque esse que será completado quatro meses depois com as presidenciais —, era importante que os agentes políticos estivessem conscientes de que agora não poderão repetir os erros que foram cometidos até aqui, sob pena de porem em risco a própria estabilidade do regime.

É assim urgente que o país se despeça de um modus operandi da política e das elites económico-financeiras, que haja uma mudança de cultura de poder em Portugal. Na sua persecução, é essencial que o interesse público seja uma regra orientadora, que o bem-estar das pessoas, de todas as pessoas, seja o objectivo, que a aposta seja em melhorar as condições de vida da sociedade portuguesa — sem que, para isso, seja preciso desbaratar dinheiros públicos através de negócios e esquemas que inevitavelmente satisfazem interesses privados, quando não até interesses corruptos.

Portugal deverá ser um Estado gerido com menos dinheiro — sem viver na megalomania do crédito —, mas deve ser gerido em função do bem-estar de todos e com serviços públicos que existam para melhorar a vida das pessoas. A resolução do problema da dívida pública em Portugal não é o único; antes disso havia já a atávica insustentabilidade económica, cuja solução tem de ter em conta o interesse das pessoas.

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