A cacofonia das autárquicas gerou silêncio nas redes sociais

Com a campanha a ter um impacto reduzidíssimo no Twitter, candidatos a autarcas não souberam aproveitar o Facebook para aumentar interesse de eleitores.

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João Ferreira, aqui numa acção de campanha, foi eleito no Facebook o mais "sexy" destas eleições Bruno Simões Castanheira

Não foi apenas às televisões que os candidatos às eleições deste domingo tiveram dificuldade em fazer chegar as suas mensagens. Nas redes sociais o desinteresse pelas quase duas semanas de campanha foi evidente. Se os eleitores se interessaram online por alguma coisa, não foi pelos programas, mas pelos “tesourinhos” e pela sensualidade dos candidatos.

O mais claro sucesso destas eleições foi a página Tesourinhos das Autárquicas 2013, que construiu em pouco tempo uma comunidade de 127 mil pessoas no Facebook. Partilhando cartazes mal-amanhados, slogans insólitos, coincidências infelizes, incoerências, manipulações desastrosas de imagem e vídeos pouco inspirados, todos reais, os seus autores – anónimos – conseguiram o que mais nenhum candidato conseguiu: marcar a agenda nas redes sociais.

O vídeo da apresentação da lista do Partido Trabalhista Português à câmara de Vila Nova de Gaia, protagonizada por Manuel Almeida, foi o primeiro grande sucesso. O candidato-ninja transformou-se rapidamente na figura dominante destas eleições nas redes sociais. A cada vídeo, um novo sucesso no YouTube. Fosse um telefonema para o tribunal ou um debate na televisão, as propostas de Manuel Almeida cativaram muita gente pela sua peculiaridade.

Ainda no Facebook, a página Sexy Autárquicas propôs-se a eleger os mais bonitos de entre os candidatos aos 308 municípios do país e conseguiu que os cibernautas participassem na brincadeira, incluindo candidatos seleccionados para a lista de finalistas. João Ferreira era o favorito e, depois de a comunidade de quase oito mil ter votado (com elevada taxa de abstenção), o comunista confirmou o favoritismo da CDU, líder no número de candidatos (33).

O que sobra é muito pouco. No Twitter, então, as conversas sobre estas eleições foram residuais. Tanto que o PÚBLICO e a agência de comunicação Imago – Llorente & Cuenca, que tinham planeado fazer uma avaliação da reputação dos candidatos com base nessas conversas, desistiram do processo mal a campanha teve início. Em quase duas semanas, o dia com mais tweets relativos às autárquicas foi quinta-feira, dia 26, com 350 registos em 24 horas.

Luís Pimenta, consultor da Imago, explica que, “com um pico de 350 tweets, não era possível fazer um balanço claro da reputação dos candidatos [naquela rede]”. Eram necessários pelo menos 2500 tweets diários “para ser sério”. Em Espanha, onde a agência fez trabalho idêntico nas legislativas de 2011 e onde se estima que o Twitter tenha dez vezes mais utilizadores do que em Portugal, um nível de participação tão baixo seria “absolutamente impensável”.

Propaganda não é conversa
“O Twitter e o Facebook são reflexos da realidade”, continua Luís Pimenta, e nestas eleições “não tivemos nenhum factor catalisador que nos impelisse a dar a nossa opinião”. O consultor acredita que a ausência de debates nas televisões pode ter sido preponderante para explicar o silêncio dos cibernautas. Os debates televisivos motivam os comentários “em directo”, que geram outros comentários, que proporcionam outros, que abrem a porta a mais comentários…

Mas não é a única razão. Luís Pimenta identifica outras duas: “o perigoso desinteresse pela actividade política” que advém de um contexto “extraordinariamente negativo” – fenómeno que sintetiza na expressão “desinteresse macro” – e a inabilidade das candidaturas para trabalhar estes meios de comunicação de massas. “Os candidatos não souberam conversar nas redes sociais”, diz, “fizeram o oposto do que Obama fez há um ano”. “Não me lembro de ter visto algum candidato a pedir às pessoas para participar.” Ou seja, a pedir ideias, a perguntar o que falta na cidade, o que há a fazer.

O discurso de pendor “propagandístico” notou-se sobretudo no Facebook, onde os candidatos apostaram em força (ao contrário do que aconteceu com o Twitter). Apesar de fazerem questão em marcar presença na maior rede social do mundo, os candidatos não conseguiram criar “um discurso mobilizador, de diálogo com a comunidade”, “não é um discurso que estimule a partilha, a conversação”. “São conteúdos unidireccionais”, afirma Luís Pimenta.

Voltando ao Twitter, há um dado que torna ainda mais incipiente o pico de quinta-feira: quase 60% dos 350 tweets registados são retweets de notícias – isto é, são posts de jornais reencaminhados pelos utilizadores para os seus seguidores e não conteúdo original. Neste domingo, a cinco minutos do fecho das urnas nos Açores, um utilizador dava conta da sua estranheza por as autárquicas não terem chegado a “assunto do momento” (trending topic).

No Instagram, onde poucas candidaturas apostaram – uma delas foi a do independente Rui Moreira, no Porto –, os boletins de voto ocuparam parte dos murais dos seus utilizadores neste domingo, mas as autárquicas nunca se impuseram. Em duas semanas de campanha, a hashtag #autarquicas2013 teve 409 publicações. Um número reduzido na linha do que também aconteceu em redes como o Google+, o Pinterest ou o Tumblr.
 

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