“A austeridade está a matar o projecto político que é a Europa”, afirma António Costa

Líder do PS discursou no encontro ibérico com os socialistas espanhóis. Apresentado como o próximo primeiro-ministro português, Costa defendeu uma “boa ligação ferroviária de mercadorias” entre Badajoz e Sines.

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O secretário-geral do PS acusou este sábado os governos europeus de direita de estarem a “matar a confiança” dos cidadãos no projecto europeu ao aplicarem tamanha dose de austeridade.

“Trinta anos depois [da assinatura da adesão de Portugal e Espanha à União Europeia], nós sentimos que a política que é hoje dominante na Europa está a matar a confiança, la afección dos nossos cidadãos pelo projecto europeu. A austeridade está a matar o projecto político que é a Europa”, afirmou António Costa ao discursar em Badajoz, no encontro transfronteiriço que juntou os socialistas portugueses e espanhóis.

As cinco letras a preto de hacer (fazer, em português) penduradas em folhas brancas A3 atrás do palanque dos discursos destacavam-se contra a luz das janelas. As câmaras de televisão mostraram António Costa a comentar com Pedro Sánchez o efeito visual marcante da palavra.

Entre sorrisos largos, palmadas nas costas, abraços e elogios mútuos, era evidente a empatia entre os dois líderes socialistas ibéricos, que ontem se juntaram em Badajoz para um encontro transfronteiriço entre o PS e o PSOE.

No seu discurso perante centenas de socialistas espanhóis e portugueses, António Costa foi desta vez um pouco mais claro acerca do que pensa sobre a situação da Grécia – embora ainda não tenha falado especificamente sobre as propostas e medidas do novo primeiro-ministro do Syrisa, mas também não tenha voltado a criticar o PASOK.

Recordando o “braço de ferro entre a Europa e a Grécia”, António Costa recusou a teoria de que há um “problema grego”. “Não há um problema grego. Há um problema comum a todos nós e que em conjunto temos que resolver.” O socialista lembrou, tal como faria também depois o líder do PSOE, Pedro Sanchéz, que quando o primeiro-ministro grego veio falar com líderes europeus escolheu Martin Schulz e os homólogos italiano e francês, “as únicas vozes onde encontra compreensão”.

“A resposta que a Europa dá à crise do euro está a fracassar. A austeridade não é a resposta na Grécia, não é a resposta em Espanha, não é a resposta em Portugal, não é a resposta em Itália, não é a resposta em França. Não é a resposta em sítio nenhum”, vincou António Costa. Pedro Sánchez deu-lhe depois um nome: “Austericídio.” E recusou as “armadilhas neo-liberais” que insistem que é preciso “optar por crescimento ou direitos”.

A solução? “Mudar [de governos] em toda a Europa”, apontou Costa – e em Espanha “há fome de mudança”, vincaria Sánchez. “A recuperação económica só virá da mão de governos socialistas”, sentenciou o líder do PSOE. “Trinta anos depois [da assinatura da adesão de Portugal e Espanha à União Europeia], nós sentimos que a política que é hoje dominante na Europa está a matar a confiança, la afección dos nossos cidadãos pelo projecto europeu. A austeridade está a matar o projecto político que é a Europa”, afirmou António Costa, que foi pontilhando a intervenção com declarações em castelhano.

Costa recordava as figuras de Mário Soares e Felipe González que assinaram em simultâneo a adesão de Portugal e Espanha à então Comunidade Económica Europeia, um “projecto de prosperidade, com a esperança de resgatar os dois países de uma pobreza ancestral”.

“Mas a Europa, para nós, socialistas ibéricos, não era só um projecto de desenvolvimento. Era também o espaço daquilo que as ditaduras espanhola e portuguesa nos tinham tirado durante décadas. Europa era a liberdade, democracia, respeito pelos direitos humanos, cidadania.”

Estes “valores fundadores” da Europa parecem ter sido esquecidos nessa política que é hoje dominante, apontou o líder do PS. A que se soma o facto de a arquitectura que sustenta a moeda única estar ainda “por completar”. “O euro não pode ser só uma moeda comum. Tem que ser uma moeda que dê resultados positivos comuns para todos e não contribuir apenas para o crescimento de cinco países [enquanto] dificulta o crescimento dos outros. Tem que ser acompanhada por mais coesão e convergência económica”, argumentou António Costa, sem citar os países a que se referia.

António Costa tentou não cair na política da terra queimada. Considerou que o plano Juncker “é insuficiente mas vai na direcção certa”, que a “interpretação que a Comissão Europeia faz do pacto de estabilidade é uma boa decisão”, e que “a mudança na Europa tem-se vindo a fazer”.

Mas é preciso “outro ritmo, outra força”, que só existirão com a saída dos actuais governos de direita. “Só haverá mudança na Europa quando houver mudança dos governos de direita, como em Portugal e em Espanha”, afirmou Costa, apresentado pelos socialistas espanhóis como o “próximo primeiro-ministro português”.

No plano ibérico, o socialista português defendeu o “trabalho conjunto para o desenvolvimento comum”. E apontou exemplos, como a “interconexão das redes de energia às redes europeias” com energia renovável, e a complementaridade entre os dois países na gestão das rotas comerciais de navegação: as do Mediterrâneo servidas pelos portos espanhóis, e as do Atlântico – que ganharão importância com a duplicação do canal do Panamá, salientou -, servidas pelos portos portugueses.

Estando Badajoz a “meio caminho” entre Atlântico e Mediterrâneo, “é preciso que entre Badajoz e o porto de Sines exista uma boa ligação ferroviária de mercadorias, que permita uma ligação de Badajoz ao mundo”.

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