A “agenda improvável” de Costa

As votações (e não votações) no Parlamento mostram que ainda há muito trabalho a fazer à esquerda.

Não é preciso acompanhar de muito perto a política nacional para perceber que talvez o mais difícil para António Costa ainda esteja para chegar e que o novo primeiro-ministro vai ter de fazer a quadratura do círculo para conseguir ultrapassar os muitos desafios e obstáculos que tem pela frente. O longínquo The Times of India publicava esta quinta-feira, dia de tomada de posse do XXI Governo Constitucional, uma notícia em que, para além de se congratular com o facto de o novo primeiro-ministro ser “de origem goesa”, resumia de uma forma inteligente e informada os tempos “difíceis” que Costa tem pela frente: “Simultaneamente [terá de] assegurar os compromissos com a União Europeia e dialogar com partidos de esquerda que rejeitam o acordo desde o início, insistir num programa socialista que permita uma redução sustentável de défice e dívida, aumentar salários mínimos e descongelar pensões.” Um caderno de encargos que o jornal indiano classificava de “agenda improvável”.

No Parlamento, esta sexta-feira percebeu-se as dificuldades que o líder dos socialistas vai ter para tornar provável essa “agenda improvável”; a maior parte das propostas mais sensíveis de alterações às leis que subiram ao plenário acabaram por descer às respectivas comissões sem votação para serem discutidas na especialidade. Um adiamento que mostra que ainda há muito trabalho a fazer para que haja uma convergência à esquerda que seja consequente.

Aliás, a “posição conjunta do PS e do PCP sobre a situação política”, um dos acordos que permitiram aos socialistas chegar ao poder, já alertava para uma lista de temas sensíveis em que, “apesar de não se ter verificado acordo quanto às condições para a sua concretização, se regista uma convergência quanto ao enunciado dos objectivos a alcançar”. Dois desses temas sensíveis, a extinção da sobretaxa do IRS e o fim dos cortes nos salários da função pública, chegaram ontem ao Parlamento, mas foram remetidos para discussão na especialidade nas respectivas comissões, sem votação. Aliás, todos os restantes dossiers levados pela esquerda à Assembleia da República, à excepção do fim dos exames do 4.º ano do ensino básico, tiveram o mesmo destino, ou seja, o adiamento. A direita, agora na oposição, não perdeu tempo e tentou transformar os adiamentos num caso político. “A decisão da esquerda ou das esquerdas é adiar, adiar, adiar”, comentava Cecília Meireles do CDS.

Os deputados têm agora 20 dias para fazer a discussão na especialidade para que as propostas possam voltar a ser votadas. Um tempo que António Costa terá de aproveitar para se sentar à mesma mesa com Jerónimo de Sousa e Catarina Martins e tentar chegar a um consenso, sobretudo quanto à velocidade com que se vai tirar o pé do acelerador da austeridade. A falta de entendimento sobre estes temas sensíveis numa altura tão precoce da legislatura equivaleria a uma sentença de morte para este Governo.

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