30 anos do 25 Abril: Sampaio apreensivo com crise orçamental e desemprego

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Jorge Sampaio disse que Portugal "ainda não recuperou inteiramente" de algumas marcas deixadas pelo Estado Novo João Relvas/Lusa

O Presidente da República exigiu hoje no Parlamento soluções políticas de coesão social e de crescimento económico. Na cerimónia comemorativa do 25 de Abril, Jorge Sampaio referiu-se à crise orçamental que o país atravessa e ao aumento do número desempregados de longa duração.

A intervenção do Presidente foi mais aplaudida pela oposição do que pelas bancadas dos partidos que apoiam o Governo.

O Presidente mostrou-se preocupado com o actual quadro de dificuldades económicas e financeiras do país e falou ainda nos "perigos de concentração da propriedade" da comunicação social.

De acordo com Jorge Sampaio, as dificuldades de Portugal derivam "de inegáveis dificuldades estruturais e de uma conjuntura económica europeia adversa, mas também de opções sobre o investimento público e a gestão de expectativas" — palavras que deixaram as bancadas da maioria PSD/CDS-PP em silêncio.

Para o Chefe de Estado, "a crise orçamental não está superada" em Portugal e, mais grave do que o défice público, continua a existir um "défice estrutural de produtividade e de competitividade".

"Parece-me óbvio que Portugal se deixou atrasar nas reformas que mudam a estrutura e as condições de funcionamento da economia", sendo por isso "necessário recuperar o tempo perdido, efectuando as reformas estruturais que se impõem".

Como soluções, Jorge Sampaio apelou à necessidade de Portugal voltar a uma trajectória de convergência real com a média europeia e a apostar na qualificação e na educação, defendendo um modelo económico mais igualitário na distribuição de riqueza e com protecção social.

"Com preocupante regularidade, aumenta o volume dos desempregados de longa duração, agravando as situações de carência de recursos para muitas famílias, e conduzindo-as a limiares de exclusão, onde as palavras liberdade e cidadania poderão deixar de fazer sentido", alertou o Presidente da República, para quem a luta contra a pobreza e a exclusão "é uma questão de dignidade social e uma obrigação moral indiscutível".

Neste capítulo, Jorge Sampaio deixou um recado ao Governo: "qualquer que seja o caminho para o necessário modelo de desenvolvimento alternativo, é fundamental que não se recue, precipitadamente, no domínio das políticas sociais preventivas e de emergência", disse.

Caso contrário, segundo Sampaio, Portugal deixará que "se criem fracturas e tensões que porão, inevitavelmente, em causa a coesão nacional mínima, com os perigos que isso representa".

Numa resposta ao discurso de Jorge Sampaio à saída da sessão solene, o primeiro-ministro afirmou que se revê nas prioridades para o futuro do país traçadas pelo Presidente da República. Não querendo entrar em “querelas políticas”, Durão Barroso disse apenas que a intervenção do chefe de Estado “é um documento notável” destinado “a mobilizar todos os portugueses”.

Sampaio contra a contenção cega

No capítulo das reformas, o Presidente da República defendeu que o novo caminho a trilhar assegure que "os encargos futuros sejam sustentáveis pela economia do país, o que implica, certamente, contenção inteligente, e não cega, no crescimento dos gastos e, sobretudo, aumento do crescimento económico comparável aos dos parceiros europeus".

"O envelhecimento dos funcionários pode passar de problema a solução se formos substituindo os servidores que se reformam por cidadãos recrutados de forma imparcial, qualificados, capazes de acumular e gerar conhecimento, abertos à modernidade e educados no sentido actual da governância, que reequilibra as relações entre o Estado, o mercado e a sociedade civil", defendeu.

Jorge Sampaio deixou ainda um alerta aos "perigos da concentração da propriedade" da comunicação social, porque "a liberdade de informação não pode estar refém dos interesses económicos e políticos".

"Uma comunicação social livre não se revela, por si só, na multiplicidade de títulos, canais ou antenas, mas sim na pluralidade efectiva que eles representam", sublinhou o Presidente da República, para quem "o Estado tem a obrigação de não se alhear desta questão estrutural da democracia".

Portugal “ainda não recuperou inteiramente”

Sobre os 30 anos de democracia em Portugal, o Chefe de Estado reconheceu a existência de progressos, mas sustentou que o país "ainda não recuperou inteiramente" de algumas marcas deixadas pelo Estado Novo.

Segundo Sampaio, Portugal ainda não venceu totalmente "a apatia cívica, a desconfiança nas instituições e na política, a falta de espírito crítico [substituída pela maledicência inconsequente e avulsa], a desresponsabilização, a impunidade, a opacidade, a intolerância e o desrespeito pela diversidade".

Fenómenos que Sampaio disse perpetuarem-se num quadro de "nostalgia do unanimimismo, e da uniformidade, de confusão entre estabilidade e imobilismo e de subserviência ao poder".

Ainda assim, o Presidente deixou um balanço positivo dos 30 anos de democracia, "um dos períodos mais notáveis da história portuguesa": "O país que somos hoje está certamente muito longe do país que desejamos ser amanhã, mas está ainda mais longe do país bloqueado e sem futuro que éramos ontem, em 1974".

"R" de Abril em destaque na sessão solene

Ainda antes do Presidente da República discursar, os partidos da maioria e a oposição de esquerda dividiram-se: enquanto PSD e CDS saudaram a evolução registada nos últimos 30 anos, PS, PCP e BE destacaram a importância do "r" da revolução e criticaram os que pretendem omitir esta dimensão do 25 de Abril.

"Em nome do Partido Socialista, saúdo o 25 de Abril com todas as letras da palavra revolução", afirmou o socialista Manuel Alegre, sublinhando que "não se pode comemorar o 25 de Abril a condenar a revolução ou a descolonização".

Também o comunista Bernardino Soares sublinhou que "trinta anos depois de Abril, há quem queira esconder que Abril foi uma revolução". "O 'r' que falta em revolução tem sobrado na reescrita da história do 25 de Abril", ironizou, aproveitando a intervenção para contestar a recente revisão constitucional e o apoio do Governo à guerra do Iraque.

Na mesma linha, o bloquista Francisco Louçã afirmou que a revolução corre hoje três riscos: "o fanatismo, o colonialismo e o absolutismo". "Manhosos, roubam a revolução letra a letra, para que pareça que foi tudo supérfluo, um exagero", criticou.

Em sentido oposto, PSD e CDS-PP saudaram a evolução de Portugal nos últimos 30 anos e sublinharam que "Abril, a democracia e a liberdade não têm dono". "Festejar Abril não é apenas recordá-lo, mas acreditar no Portugal do futuro, alimentar a confiança nacional", afirmou o social-democrata Victor Cruz, sustentando que "o importante não é quem mais evoca Abril, é quem mais o pratica".

Pelo CDS-PP, Miguel Anacoreta Correia declarou que "seria um mau serviço ao espírito do verdadeiro 25 de Abril afastar o espírito da mudança destas comemorações". "O 25 de Abril fez-se justamente para ultrapassar uma situação de impasse, para outorgar ao país um sentido de verdadeira evolução", sublinhou.

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