25 de Abril: a Justiça e os direitos individuais

Francisco Salgado Zenha foi um ilustre advogado. Ministro da Justiça de quatro governos, parlamentar, candidato à Presidência da República.

Em 1968, publicou uma pequena/grande obra: Notas Sobre a Instrução Criminal. O opúsculo é de aprimorado recorte técnico-jurídico. Um princípio fundamental perpassa pelo pensamento de Salgado Zenha: a forma como o Estado trata e respeita os direitos dos arguidos no processo penal é um dos índices mais demonstrativos de um Estado de Direito e Democrático

As Notas versam esses direitos. Condenam fundamentadamente o seu sistemático atropelo, a prisão preventiva sem controlo judiciário, a sua ilegalidade ostensiva, os poderes da polícia política na investigação, o julgamento nos Tribunais Plenários dos “delitos políticos”.

O livrinho exibe a estatura moral e política de Salgado Zenha. A Câmara Municipal de Braga ora o reconhece. Projecta um monumento em memória do político.

Crítico acérrimo do processo penal de então, o livro de Salgado Zenha foi apreendido pela polícia política. Chegou-me às mãos, em 1979/80. Tinha na capa e contracapa um carimbo: “Proibido – DGS”. Direcção-Geral de Segurança.

Não era só a censura, a ausência da liberdade em qualquer das suas formas, era também o terror.

Francisco Teixeira da Mota descrevia há dias no PÚBLICO, com minúcia, as torturas a que os presos da PIDE estavam sujeitos. A polícia política, com aquiescência e cobertura do poder político, torturava pelas mais diversas formas. Uma casa de horrores em que agentes da polícia política que procediam aos interrogatórios nomeavam agentes da mesma polícia como defensores dos presos, recusando advogados!   

Não constitui árduo exercício intelectual memorizar esses tempos. A História. Foi há quarenta anos.

Não se branqueiam os erros e carências do novo sistema de Justiça nascido a 25 de Abril. As prescrições, o prolongamento inusitado da duração dos processos. Da responsabilidade da acção política e actores directos da Justiça.

O 25 de Abril proclamou e cumpriu a restauração da dignidade do poder judicial. Da sua independência. Da independência dos juízes e autonomia do Ministério Público, ante um qualquer poder político, económico ou de outra natureza. Os direitos individuais, as garantias efectivas de defesa dos arguidos, com consagração na Constituição da República e regulamentação no Código de Processo Penal. Defensores são, obrigatoriamente, advogados. Não polícias.

A fiscalização do cumprimento da Constituição Política de 1933 era meramente formal. A levar a efeito pela Assembleia Nacional e tribunais. Letra morta.

Na Constituição da República em vigor consagra-se um Tribunal Constitucional. Fiscaliza efectivamente, com independência, a conformidade das leis com a Lei Fundamental.    

As mulheres não tinham assento nas magistraturas. O seu acesso era proibido. Nem juízas, nem magistradas do Ministério Público. Maria Cândida Pinto de Almeida foi a primeira mulher a ser nomeada magistrada. Após o 25 de Abril.  

É uma das mais relevantes transformações de Abril na área da Justiça. Reconhecimento de um princípio universal, a igualdade dos sexos.

A História explica o passado. Demonstra a enormidade da interrogação: “o 25 de Abril valeu a pena?”

Procurador-Geral Adjunto

 

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