15.524 cegos

Os chefes e militantes partidários têm compreendido tarde de mais que a supremacia não é a supremacia do povo.

Pedro Passos Coelho atravessa uma sala quase vazia e vai pôr o seu boletim de voto numa caixa meio improvisada. E assim é consumado o acto fundador da nossa democracia. O eleitorado mal passou desta vez de 17.000 votos contra 51.748 em 2010; e mesmo assim houve à volta de 2000 militantes que rejeitaram o primeiro-ministro. Tudo visto e considerado, 15.524 militantes do PSD decidiram por si quem será o chefe da direita na eleição de 2015.

Não custa a imaginar de que espécie de indivíduos se trata: funcionários públicos de confiança política, quatro ou cinco dúzias de oportunistas que se agarram a Passos Coelho; e uma dezena ou duas de fanáticos sempre ansiosos por votar na ortodoxia do “partido”, sem exame ou vergonha. De qualquer maneira, quem sofre as consequências é o cidadão comum.

O mesmo irá suceder no PS com Seguro ou com outro; e até nos pequenos bandos da extrema-esquerda não se vêem grandes diferenças. Os partidos que tomaram conta do Estado e os partidos que só pensam em tomar conta do Estado (ou, pelo menos de um bocadinho dele) defendem zelosamente o seu monopólio. Bem podem dizer de quando em quando que gostariam de se “abrir” ao cidadão comum. Mas como o cidadão é por natureza um risco, preferem a família, os compadres ou qualquer vigarista do bairro ou da terra já comprometido com eles. O tal “cidadão comum” tão apetecido em época de eleições não consegue nunca atravessar a barreira burocrática e pessoal, que o aparelho fabricou para o manter ao largo. Por isso, de há um tempo para cá assistimos com espanto à irresistível ascensão dos “jotas”, que “trabalharam” no “partido” desde a adolescência e nem vagamente percebem o mundo real.

Esta ridícula “eleição” de Passos Coelho, com um programa autoritário e absurdo, que ninguém discutiu, mostra com mais nitidez do que, por exemplo, a “chicana” parlamentar corrente, o abismo em que caiu a nossa democracia. Suponho que não serei o único a quem horroriza votar em Passos Coelho ou em Seguro. Infelizmente, a organização do regime acabará por forçar milhões de portugueses a cometer esse acto repugnante, em nome do velho “mal menor”, que de resto o dr. Cavaco cultiva. As Repúblicas modernas têm em geral desabado por culpa dos partidos. E os chefes e militantes partidários têm compreendido tarde demais que a supremacia não é a supremacia do povo.    
 
 
 

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