William & Keiko

Qual dos dois era mais perigoso, o assaltante ou a contabilista? Dêmos a palavra aos mercados.

William Sutton (1901-1980) é muito justamente considerado como um dos maiores assaltantes de bancos da história. Por isso, tudo o que disse sobre o assunto merece ser seriamente ponderado por quem o pretenda seguir nessa difícil e arriscada arte.

A sua máxima mais famosa é de aplicação universal e encontra-se consagrada em manuais de disciplinas tão díspares como a lógica, a diagnose clínica e a contabilidade analítica como o Princípio (ou Lei) de Sutton. Inquirido porque assaltava bancos teria respondido: “porque é aí onde o dinheiro está.” Moral: numa análise a primeira coisa a ser considerada deve ser o óbvio.

Sutton tinha fama de ser amável e divertido, humilde mas empreendedor, e com capacidade de assumir riscos. Mas não era agressivo, e nunca matou nem magoou ninguém na sua longa e aventurosa carreira de assaltante, um negócio tradicionalmente violento. Mas conseguia resultados: mais de dois milhões de dólares, numa época em que ser milionário tinha um significado muito especial. De trato fácil cativava juízes e polícias, gangsters de caráter difícil e vítimas atarantadas. Nunca se sindicalizou num dos cartéis que então dominavam o business, e preferiu manter-se sempre como profissional independente. Até concorrentes como Lucky Luciano (1897-1962), Albert Anastasia (1902-1957) e Donald Frankos (1938-2011), com quem conviveu na prisão, gostavam dele. A sua personalidade era de tal modo simpática que, quando Anastasia soube, na penitenciaria, que Sutton tinha voltado a ser preso devido aos esforços de Arnold Schuster (1927-1952), um detetive amador, se sentiu tão indignado que ordenou a imediata execução de Schuster.

No entanto, quando um jornalista lhe perguntou se nos assaltos usava armas de fogo Sutton respondeu: “claro, não se pode roubar bancos só com charme ou personalidade.” Aqui Sutton estava errado: num roubo, nenhuma Thompson é tão eficaz como charme e personalidade, como o caso de Fujinori Keiko demonstra. Fujinori iniciou a sua vida profissional como contabilista, no início dos anos 70, no Mukojima Shinyo Kumiai, uma pequena instituição de crédito em Tóquio. Também ela tinha uma excelente personalidade: era simpática e prestável, e qualquer assunto lhe podia ser confiado pois seria bem resolvido. É certo que, às vezes, colegas e clientes ficavam com a ligeira sensação de estarem a ser enrolados nas explicações que ela dava sobre débitos e créditos; mas devia ser só sensação porque no fim do dia as contas batiam sempre certo; e se às vezes ela parecia embraçada nalguma questão, era só momentaneamente, porque com amabilidade e muito profissionalismo era sempre capaz de explicar tudo. Assim conseguiu subir paulatinamente, num ambiente eminentemente masculino, até se tornar vice-diretora de uma agência.

Em Abril de 1990 deu-se a fusão do Mukojima Shinyo Kumiai com o Tomin Shinyo Kumiai, um concorrente de maior dimensão. Para grande surpresa de todos, durante a due dilligence antes da operação, descobriu-se que, entre 1973 e 1989, Fujinori se tinha apropriado ilicitamente de 1.900 milhões de yenes (o equivalente a cerca de dois milhões de contos, à taxa de cambio média do período) por entre concessões de crédito fictícias e anulações fraudulentas de depósitos. Este montante correspondia, nem mais, nem menos, que a 20% do total dos depósitos do Mukojima Shinyo Kumiai em Março de 1990. E durante todo este tempo ninguém tinha notado nada! Nem diretores, nem auditores, nem reguladores! Como foi possível? Com muito charme e personalidade. Imagine-se agora o que ela não teria conseguido se, em vez de ser uma humilde vice-diretora de agência, fosse uma administradora de um banco? Em termos absolutos Robert Maxwell (1923-1991), Ivan Boeski, Kenneth Lay (1942-2006), e Michael Milken podem ter desfalcado mais, mas em proporção à dimensão da sua organização ninguém leva a palma a Fujinori Keiko.

Mas estaria então Sutton equivocado sobre o poder do charme e personalidade? Provavelmente não, porque, noutra entrevista, quando lhe perguntaram se durante os assaltos levava as armas carregadas respondeu: “claro que não, pois num acidente alguém poder-se-ia magoar.”

Qual dos dois era mais perigoso, o assaltante ou a contabilista? Dêmos a palavra aos mercados: Sutton, depois de libertado em 1969, trabalhou para vários bancos como consultor em assuntos de segurança e de marketing; Fujinori nunca mais foi contratada por uma empresa.

Professor de Finanças, AESE

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