Viver entroikado, isto só lá vai com muita sensibilidade e talvez com uns copitos

Viver entroikado pode causar efeitos secundários, mas não em Portugal. O nosso pequeno país chega a ser maçador por isso. Aconteça o que acontecer há coisas que nunca mudam. Às vezes temos alguns atrevimentos, mas é apenas para que tudo fique na mesma. Sabemos, por exemplo, que, se Portugal fosse uma ilha e uma súbita subida do mar nos deixasse com água pelo pescoço, a primeira medida do Governo seria mandar distribuir baldes para a malta despejar a água para o mar.

Portugal não surpreende e os últimos dias dão conta disso.

Por exemplo, no nosso país é absolutamente normal que o FMI elabore um documento a dizer ao Governo o que deve fazer para cortar quatro mil milhões de euros na despesa e que só o entregue ao Executivo depois de o dar a um jornal.

Ainda houve quem insinuasse que foi o Executivo que deu o dito relatório ao Jornal de Negócios (que fez um excelente trabalho) na terça-feira para que ele saísse esmiuçado na edição de quarta-feira, numa espécie de deixa-lá-ver-o-que-malta-pensa-disto-para-ver-o-que-fazemos-a-seguir, mas o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, Carlos Moedas, foi categórico ao afirmar que o Governo só recebeu o documento na quarta-feira.

É normal. Anormal em Portugal seria a troika dar o relatório ao Governo, que este o analisasse, o mandasse traduzir o enviasse para a Assembleia da República e, depois, o divulgasse publicamente. Enfim, estrangeirices.

Também ninguém ficou surpreendido que uma deputada da nação tivesse sido apanhada pela polícia com 2,41 gramas de álcool por litro de sangue e logo a seguir não tenha apresentado a sua demissão.

Mas porque é que havia de se demitir? Em Portugal é crime conduzir com mais de 1,2 gramas álcool por litro de sangue. Ora de 1,2 para 2,4 é um niquita de nada, para aí quatro ou cinco bagaços bem aviados; a dita deputada até pertence à comissão de ética o que lhe dá responsabilidades acrescidas, o que em Portugal é mais ou menos o mesmo que impunidades acrescidas, e até já participou em acções sobre a segurança na estrada, como a Comissão Interparlamentar da Segurança Rodoviária, mas isso não interessa nada. E às 3h20 da manhã quase não há carros nas ruas de Lisboa e escasseiam os táxis. Além disso, a senhora deputada fazia 37 anos. Dias não são dias e um copito sempre pode ajudar a esquecer a crise.

Já lhe bastou como “castigo” não se apresentar na quarta-feira no Parlamento para trabalhar para não ser apanhada pela ressaca noticiosa do caso. Arquive-se e siga a marinha…

E que fazer se uma sociedade se mostra desalentada e desanimada? Fazem-se políticas que combatam esse estado de espírito, como incentivos ao emprego, mais apoios sociais, dar atenção às pequenas e médias empresas? Explica-se muito bem aos cidadãos porque se tomam certas medidas, para que as pessoas saibam porque lhe estão a pedir sacrifícios em cima de sacrifícios, ao mesmo tempo que se privatizam bancos? Não, isso é nos países sem imaginação lá para o norte da Europa.

Há “na sociedade portuguesa certos sintomas de desalento e de desânimo que é preciso contrariar”, lembrou acertadamente o ministro Paulo Portas esta semana. E como é que se combate a coisa? O número três do Governo não deixou a explicação para cabeça alheia: com “sensibilidade”.

Parece que já estou a ver os membros do Governo em torno da mesa oval do Conselho de Ministro de mãos dadas e cabeças caídas, numa espécie de corrente da sensibilidade pelos portugueses; ou os ministros a andarem pelo país a apertarem os portugueses em fortes abraços contra o seu peito enquanto gritam “sai desalento”, “morre desânimo maldito”.

E assim há-de Portugal sair do entroikanço em que se meteu. Haja muita sensibilidade.

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