Uma quase quadratura do círculo

É assim um caminho escarpado, estreito e minado aquele por onde António Costa terá de caminhar.

O contexto político em que António Costa inicia a sua liderança do PS poderá fazer do seu objectivo de ganhar as legislativas de 2015 uma quase quadratura do círculo. É certo que o PS pode obter uma vitória eleitoral e António Costa vir a ser primeiro-ministro, mas é também evidente que a prisão preventiva de José Sócrates dificulta o desenvolvimento político de um projecto para o país por parte de António Costa e do PS.

António Costa tinha já uma tarefa difícil, a de ganhar a confiança dos eleitores. Esse desafio mantém-se. António Costa tem de apresentar um projecto de governação consistente e credível, uma proposta capaz de resolver a falta de recursos financeiros do Estado e de reorganizar a despesa pública de modo a viabilizar uma forma alternativa de governar o país. Agora, a essa tarefa, já de si difícil, acresce a necessidade de o novo líder do PS ter de provar que merece a confiança dos eleitores, gerindo a realidade inédita da acusação que pende sobre um anterior líder do PS e ex-primeiro-ministro em nome do partido.

Assim, muito do que será o sucesso da liderança de António Costa está dependente da sua capacidade, da sua arte e do seu engenho de conseguir liderar o PS sem que este partido fique submerso na onda levantada pelo caso que envolve o seu antigo secretário-geral, preso preventivamente sob suspeita de corrupção, branqueamento de capitais e fuga ao fisco.

E mesmo sendo verdade que José Sócrates tem, como qualquer cidadão, direito à presunção de inocência até que uma sentença transitada em julgado o condene por um crime, a verdade é que o lento tempo processual da Justiça irá transformar a realidade do quotidiano do PS nos próximos meses numa imprevisível vivência na expectativa do que poderá vir a ser conhecido sobre os eventuais crimes de que o antigo primeiro-ministro é suspeito.

Mais: uma das expectativas que poderão assombrar o PS é a de saber se esses eventuais crimes, sobretudo no domínio da corrupção, foram cometidos durante o tempo em que exerceu o mandato de líder do PS e de primeiro-ministro. E neste caso se há mais personalidades do universo socialista eventualmente envolvidas em supostos crimes. É assim um caminho escarpado, estreito e minado aquele por onde António Costa terá de caminhar.

Logo na noite em que foi eleito secretário-geral, no passado sábado, quando o PS e o país viviam ainda a surpresa da detenção de José Sócrates para interrogatório, António Costa, ao fazer a sua declaração de vitória, conseguiu encontrar um tom ajustado, em que separou o que considerou como “acção política do PS” e o que classificou como “sentimentos de solidariedade e amizade pessoais”. Terá agora de conseguir este distanciamento entre o partido e José Sócrates, sem ao mesmo tempo se expor à acusação de afinal também renegar o passado do PS e o seu. Isto, porque ninguém pode apagar o passado e alterar a história.

E se nada nem ninguém pode acusar António Costa ou atacá-lo por eventuais crimes que José Sócrates tenha cometido, a verdade é que José Sócrates foi ministro dos governos de António Guterres (1995-2002), chegou a secretário-geral do PS (2009-2011) e a primeiro-ministro em nome dos socialistas (2005-2011). E ainda que António Costa tenha estado ao lado de José Sócrates nos governos de António Guterres, ajudou José Sócrates a ganhar a liderança do partido e foi ministro da Administração Interna no início do seu primeiro Governo (2005-2007). E estes factos ficarão para sempre colados ao PS e a António Costa, porque são parte das suas histórias.

O dificílimo caminho que António Costa tem de trilhar começa este sábado no XX Congresso do PS no Pavilhão da FIL, no Parque das Nações, em Lisboa. Um conclave em que o controlo de “estados de alma” é a prioridade, na procura de evitar que a defesa emocionada de José Sócrates contamine o que é suposto ser a consagração de António Costa. Mas o êxito do congresso passa também pela capacidade de António Costa conseguir constituir uma direcção à qual não seja possível colar o rótulo de herdeira do antigo líder caído em desgraça.

É, porém, central que haja a noção de que é impossível a António Costa erradicar toda a memória do consulado de Sócrates. Primeiro, porque muitas das personalidade do PS, como de qualquer partido, passaram por várias direcções e continuaram a fazê-lo. Segundo, porque muitas das propostas que António Costa possa fazer ao país, dentro do que são os pressupostos políticos do PS, vêm na linha do que foram algumas traves mestras da governação de José Sócrates. Ao contrário do que António José Seguro ensaiou sem êxito, nenhum partido pode apagar assim a herança de anteriores lideranças, por maioria de razão quando foram governo, sob pena de se estar a proceder a uma refundação. E não parece ser esse nem o papel, nem o objectivo de António Costa.

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