Uma mudança necessária

A notícia merece congratulação.

É positivo constatar que “Portugal melhora no ranking da igualdade entre homens e mulheres” e que este ano ficou em 39.º numa escala de 142 países, quando há um ano era o 51.º em 136 países. É certo que em 2010 Portugal esteve mais bem colocado, tendo obtido o 32.º lugar num total de 134 países, mas é de celebrar a recuperação conseguida este ano no Índice Global das Diferenças de Género, do Fórum Económico Mundial (PÚBLICO 30/10/2014).

O muito trabalho político que tem sido feito em Portugal neste domínio tem nomes que devem ser celebrados. Entre eles a secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade, Teresa Morais. Obrigatório é citar o nome da anterior secretária de Estado da Igualdade, Elza Pais, pelo seu trabalho quer neste cargo, quer anteriormente na presidência da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género. É a Elza Pais que institucionalmente se deve a belíssima classificação de 2010.

Mas a análise do Fórum Económico Mundial continua a expor a desproporcionalidade gritante que existe em relação à diferença salarial entre homens e mulheres. Raking em que Portugal está este ano em 97.º lugar, quando há um ano estava em 109º, num domínio em que o próprio relatório do Fórum Económico e Social alerta para que, se a situação continuar como até aqui, “serão precisos 81 anos para que o mundo possa alcançar a paridade na área do trabalho” (PÚBLICO 30/10/2014).

Apesar do trabalho que tem sido feito, as desigualdades em Portugal continuam gritantes. O mesmo relatório aponta outros dados que são significativos. Entre eles destaque-se: só 70% das portuguesas até aos 64 anos participam no mercado de trabalho; o rendimento anual em dólares é de 21.605 para as mulheres e 30.593 para os homens; só 78% das mulheres têm conta no banco, enquanto nos homens a percentagem se eleva para 85%; só 12% das mulheres integram administrações de grandes empresas; apenas 56% das mulheres são utilizadoras da Net, em comparação com 65% dos homens; só 35% das mulheres são legisladoras, altas funcionárias e gestoras; só 31 % dos lugares no Parlamento são ocupados por mulheres; só 21% dos lugares no Governo são de mulheres.

A situação de Portugal apela a que haja mais empenho de políticas públicas e de sensibilização para o facto de que uma sociedade equilibrada e completa integra homens e mulheres em igualdade de circunstâncias. Entre as medidas públicas, no que diz respeito à política é chegado o momento de passar a elevar os patamares mínimos de participação e pensar em assumir a paridade nas listas eleitorais e na formação dos governos – questão que não é nova e está presente na União Europeia, como se viu com a constituição da nova Comissão presidida por Jean-Claude Juncker.

Em Portugal, a paridade nas listas eleitorais aconteceu nas últimas europeias, com o PS e o BE. No BE esse facto pode ser uma decorrência da solução paritária de direcção, com a coordenação partilhada por Catarina Martins e João Semedo – resta esperar para ver se  no congresso deste partido, a 22 e 23 de Novembro, esta solução de direcção se mantém.

Já no caso dos socialistas, é justo referir que a lista paritária foi uma realidade fruto da iniciativa de um homem, Carlos Zorrinho, e não por proposta do Departamento Nacional de Mulheres Socialistas. Se noutros tempos as mulheres socialistas estiveram na génese de mudanças, como por exemplo a adopção das quotas por António Guterres, na actualidade, a liderança deste departamento por Isabel Coutinho ficou aquém da tradição. E a actual presidente das mulheres socialistas tem-se destacado apenas pela resistência à convocação de eleições para o departamento, como forma de neutralizar a contestação de que tem sido alvo.

É certo que a meta paridade na política é redutora no sentido em que não resolve a desigualdade na sociedade, mas tem um carácter e um peso simbólicos inegáveis. Pelo que se espera o sinal que deve ser dado pelos partidos políticos, não só quanto à constituição paritária dos seus órgãos e à elaboração paritária de listas eleitorais para o próximo Parlamento, bem como à formação paritária do próximo governo.

Pode parecer utópica esta expectativa, mas ela corresponde apenas ao imperativo de que o poder espelhe a realidade indesmentível de que homens e mulheres, sendo diferentes e tendo direito a ser diferentes, devem ter o direito a condições iguais de exercício pleno da sua cidadania e condições iguais de viverem com dignidade. A não ser, é claro, para aqueles que consideram mesmo que as mulheres são inferiores e menos capazes do que os homens. Mas esses deviam assumi-lo frontalmente no seu discurso, em vez de fazerem de conta que a desigualdade de género não existe ou que ela é uma bizarria de meia dúzia de radicais.

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