Respostas sem pergunta

Aconteceu uma coisa interessante na semana passada. Pela primeira vez o Tribunal de Justiça da União Europeia respondeu a uma pergunta do Tribunal Constitucional Alemão sobre “o que for preciso”. A resposta ainda não é definitiva, mas é já relevante para o nosso futuro.

Um pouco de paciência, então. “O que for preciso” é, se bem se lembram, o que Mario Draghi do Banco Central Europeu disse que faria para salvar o euro. Esse “faremos o que for preciso” acalmou os mercados em julho de 2012, e dois meses depois, em setembro, Draghi apresentou um plano para compra de dívida dos estados que, mesmo engavetado, produziu milagres. Nunca foi gasto um cêntimo, o plano não foi implementado, mas o mero facto de existir deu a entender que o BCE não deixaria repetirem-se as divergências entre taxas de juros que vimos em 2010 e 2011, e que levaram a Grécia, Portugal e outros a ajoelharem-se perante os credores.

Na Alemanha, o plano de Draghi — conhecido por OMT, na sigla em inglês para Transações Monetárias Diretas — ficou logo debaixo de fogo, com vários políticos e economistas alegando que se tratava de uma violação dos tratados e pedindo ao Tribunal Constitucional Alemão que parasse a coisa ainda antes de começar.

A opinião (ainda provisória) do Tribunal de Justiça da UE é clara: as medidas são proporcionais, necessárias, adequadas e não violam os tratados. O BCE pode ir até mais longe para comprar dívida dos estados, porque se trata de salvar o euro. O risco que o contribuinte alemão corre (por uma improvável ou mesmo impossível insolvência do BCE) é muitíssimo menor do que o risco que os outros estados e os seus contribuintes correm se o BCE deixar os mercados andar. Se esta opinião for confirmada, a Alemanha perdeu, e virou-se uma página decisiva no debate europeu.

Mas há mais! O Tribunal de Justiça respondeu também a uma coisa que não lhe fora perguntada. Preparem-se, porque é o mundo da austeridade ao contrário: o BCE pode comprar dívida dos estados “se for preciso” — mas não pode participar na troika.

Quem conseguiu ler até aqui talvez se lembre que isto sempre foi afirmado nesta crónica. A troika é provavelmente ilegal. O Tribunal de Justiça praticamente grita que lhe perguntem para poder dar essa resposta — mas os estados-membros não lhe perguntam, por medo ou por seguidismo.

Desde o início da crise do euro que demasiadas respostas ficaram por dar porque nenhum governo quis fazer as perguntas certas. Não é demais lembrar que temos 28 governos vergados à austeridade no Conselho Europeu. E assim nunca ninguém se perguntou porque não podemos fazer uma conferência europeia de resolução de dívida, ou usar os fundos do Banco Europeu de Investimentos para um plano de recuperação e relançamento das economias do Sul, ou porque não podemos ter um Mecanismo Europeu de Estabilidade inteiramente comunitarizado.

Mas agora, com a possível vitória de um governo anti-austeridade na Grécia, já este domingo, e a emergência de uma aliança política da Europa do Sul — este fim-de-semana será lançada a Declaração de Barcelona, que propõe ideias como as que estão no parágrafo anterior — o Conselho Europeu vai ter de ouvir as perguntas. As respostas já estão prontas, e são “o que é preciso” para salvar o euro.

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