Polémicas linguísticas

Tenho a obrigação de velar para que a nossa língua seja respeitada pelo «nosso» jornal.

É caso para dizer: perdi em todas as frentes. Ou então, pois não se trata de qualquer peleja desportiva, talvez seja de reconhecer: fiquei mal com todos. E a propósito de um tema cuja minha intenção era a de não sequência a uma discussão que continuo a considerar fora das principais preocupações das atribuições de um provedor.

Quando muito, na defesa da língua, o provedor poderá e deverá ser veículo desse debate entre especialistas da matéria. Tenho a obrigação de velar para que a nossa língua seja respeitada pelo «nosso» jornal. Mas entendo que devo dar a palavra aos peritos sem intrometer-me directamente a polemizar questões que ultrapassam os meus conhecimentos.

Há duas semanas atrás dava eu conta de uma carta enviada pelo director-geral do Tribunal de Contas a manifestar a sua discordância pelo comentário de «estranha simplicidade» que, como provedor, fizera a propósito do erro que um leitor atribuía à utilização da palavra «precaridade», em vez de precariedade», no texto de um relatório do TC, largamente noticiado pelo PÚBLICO, em artigo assinado pelo jornalista Sérgio Anselmo Aníbal. O leitor louvava a «coragem» do jornalista que, ao colocar a palavra «precaridade» entre aspas, «ironizava» com o «erro crasso» cometido por uma respeitável entidade. Ao contrário, defendia o director-geral do TC, José F.F. Tavares, que as duas formas ortográficas erram correctas. E referia em abono da sua «tese» vários autores. Sustentado noutros autores que consultei, pensava eu que a forma correcta era, de facto, «precariedade». Do jornalista Anselmo Aníbal soube que a intenção com a utilização das aspas não era a de ironizar, mas a de referir os termos utilizados pelo relatório do TC que fazia uma acusação à política orçamental do Governo. Com estes pressupostos, para além de uma carta que enviei ao director-geral do TC, na intenção de não prolongar a polémica, emiti no PÚBLICO de 24.08.14 novo comentário a aceitar a eventualidade de ambas as formas serem utilizadas.

Tanto bastou para caírem sobre a minha conduta várias reprovações de leitores, todos eles exibindo a favor da sua «tese» imensos autores credenciados, admitindo que a única forma correcta era a de «precariedade». Um leitor critica a minha fácil capitulação perante o director-geral do TC e desabafa: «Fiquei desiludido com o tom e a espinha curvada com que respondeu…». Das autoras Sandra Tavares e Sara Leite que eu citara em minha defesa, a discordância é de outra índole. E escrevem: «…Aludindo a uma crítica do director-geral do Tribunal de Contas, lamentou, como recordará certamente, o facto de ter consultado o nosso livro, SOS Língua Portuguesa, afirmando que a informação que nele encontrou relativamente à grafia da palavra precariedade estava incorrecta. Eis o excerto do seu texto:

«Baseado nas fontes por mim adoptadas (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, no S.O.S. - Língua Portuguesa, da autoria de Sandra Duarte Tavares e Sara de Almeida Leite) malogrei na convicção de que a forma correcta era «precariedade». Afinal, as duas formas são admitidas.»

«Em face das suas palavras, não podemos deixar de lhe pedir que as reconsidere. E o nosso motivo não se prende apenas com o facto de com elas sugerir que o guia de língua portuguesa de que somos autoras o induziu em erro. Gostaríamos, sobretudo, de lhe fornecer bons argumentos para que não sinta necessidade de se "penitenciar" por acreditar que precariedade é a forma mais adequada do nome que designa a qualidade do que é precário.

Já notou, certamente, que a simples atestação de uma palavra num dicionário não significa que se recomenda o uso dessa forma particular, pois muitas vezes trata-se apenas de dar conta de formas desviantes que ainda assim se vão popularizando». (…) E Sara Leite acrescenta: «Com toda a franqueza, também não tenho interesse em gerar ou alimentar polémicas linguísticas (…), mas custou-me aceitar que tomasse como definitivos os argumentos do director-geral do TC. Não propriamente porque isso nos desautoriza enquanto autoras do SOS, mas sobretudo porque leva a crer que "forma correcta" e "forma admitida" de uma palavra significam o mesmo.»

Agora, aqui, o que posso invocar é a sempre aludida frase de que, efectivamente, o uso da nossa língua é por vezes matreiro. Nunca por nunca quis desautorizar as citadas autoras. Invoquei-as por serem autoras de uma obra que, a par de outras, consulto com frequência para evitar erros.

Seja como for, reafirmo mais uma vez: não estou interessado em manter polémicas sobre questões da Língua entre mim, como provedor, directamente, com o TC, qualquer outro leitor ou entidade. Posso sentir, isso sim, o dever de ser veículo para colocar a discussão entre aqueles que têm autoridade para tal. Aliás, tinha uma vaga ideia de que este episódio iria ser ocasião para isso.

Sem negar a importância da defesa da nossa língua, provavelmente a maior riqueza do património que nos resta, numa visão cósmica do papel dos media, privilegio o combate que vença este presságio de Martin Amis: o jornalismo «está numa fase peculiar da sua evolução. Por um lado, está cada vez mais satisfeito com o poder que o corrompe; por outro, vai no sentido de uma impotência elefantina relativamente a todas as questões que realmente interessam».

Das «Cartas à Directora»

A constatação de que há um grupo organizado de leitores sempre presentes nesta secção tem leituras díspares. Desde a tentativa de assumirem um protagonismo nas páginas do jornal e assim no espaço público, à queixa de que, infelizmente, são poucos aqueles que assumem o seu dever de cidadania, rompendo com conformismo das «maiorias silenciosas». As queixas mais repetidas são as seguintes: o espaço da secção é muito reduzido; a selecção obedece a critérios pouco explícitos e os cortes previstos pela norma da secção aos textos com mais caracteres daqueles estabelecidos desvirtuam, por vezes, o sentido geral do texto e «censuram» partes, na opinião dos seus autores, quiçá – dizem os leitores - mais problemáticas. Como provedor, fique bem claro, reconheço a importância desta secção. Contudo, sei das dificuldades que a coordenadora desta secção tem para geri-la a contento dos leitores.  

CORREIO LEITORES/PROVEDOR

Os incêndios florestais e o PÚBLICO

Escreve um leitor: «Penso que também terá notado a ausência de qualquer notícia no PÚBLICO dos vários incêndios que ocorreram esta semana um pouco pelo país. Pela minha parte, até porque o incêndio considerado como o maior deste ano ocorreu no concelho de onde sou oriundo, Pampilhosa da Serra, pelo que é natural que esperasse ver alguma reportagem do triste acontecimento, que, uma vez mais, afectou povoações próximas da minha, mas nada. (…) Alguém, nesse jornal, ficará de"orelhas a arder", com os meus comentários (…). Como no dia 25/8 dedicaram, em destaque, duas páginas aos "incêndios florestais", talvez tenham concluído, por antecipação, que o assunto já estava devidamente tratado.»

Comentário do provedor: Penso que ninguém ficará com as «orelhas a arder. De facto, (e este pressuposto é meu), o PÚBLICO, por critério editorial e também por falta do número suficiente de jornalistas para cobrir «in loco» os diferentes acontecimentos, privilegia estudos e grandes reportagens sobre assuntos decorrentes no território nacional e até estrangeiro. É o caso do tema incêndios tratado em «Destaque» conforme o leitor refere. Aliás, nessa mesma edição do dia 25, o PÚBLICO dedica um editorial ao assunto. onde recomenda que, pelas circunstâncias deste «Verão brando para a floresta», «será melhor temperar qualquer tentação triunfalista». Estou certo que se Pampilhosa da Serra atingisse, o que felizmente não aconteceu, proporções trágicas o PÚBLICO lá iria.

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