O pacto de silêncio

Tudo se resume, enfim, a garantir a satisfação dos bancos e do sistema financeiro, num pacto de silêncio reservado aos bastidores da política.

Foto

Não é fácil manter a serenidade e o discernimento perante a situação crítica que se vive no país. A perturbação social é evidente e vai medrando; já não resulta apenas de uma comunicação imperfeita ou da profusão das más notícias que circulam nos media, que nos confundem ou manipulam, e tantas vezes atemorizam.

Começa a prevalecer um sentimento bem mais forte, um misto de rancor e de intolerância, que parece ser intencionalmente fomentado. Um estado de desarmonia que concorda com uma progressiva degradação ética e moral da sociedade, condição que se acentua na igual medida em que se desprezam os valores da justiça, da solidariedade, e da dignidade humana, em favor de um regime capitalista que tudo transforma em mercadoria. Neste percurso de crescente crispação social, adivinha-se o agonia do regime, nos despojos de muitos dos seus representantes, vendidos a um mercado que os conspurcou nos trilhos da ganância.

Acordamos todos os dias a falar da dívida pública, do défice, do desemprego, e das tragédias sociais que o país espreita, num desalento sem fim à vista. Anestesiam-nos com a culpa de um passado imprudente, e garantem-nos que este é agora o preço a pagar. Não há alternativa se queremos futuro. Para os que não resistem à intempérie, e para os mais jovens, encomendam-se os passaportes, e incentiva-se a partida. Asseguram-nos que não continuará a ser possível garantir as funções de um Estado que se revelou perdulário e desajustado da nova realidade capitalista, em que deixou de haver lugar para garantir as funções sociais. O que importa é o lucro, e não poderá haver função social sem lucro. As empresas públicas são apresentadas como pouco rentáveis e têm por isso que ser vendidas. Porque o Estado não sabe gerir, dizem-nos. Asseguram-nos que nesta nova ordem global, as empresas públicas têm que garantir o lucro ao seu proprietário, tal como nas empresas privadas, não tendo por isso que equacionar os proveitos em função dos trabalhadores.

Crise, crise, crise. Não há um fim à vista. Mas quando se pergunta quem provocou a crise? Os bancos. E quem foram os primeiros a revelar sinais de saída da crise? Os bancos. E quem continua a ganhar dinheiro mesmo quando a economia está parada? Os bancos. E quem, ao que tudo indica, continua a condicionar o Estado, e a precisar da injecção de mais capital? Os bancos. Tudo se resume, enfim, a garantir a satisfação dos bancos e do sistema financeiro, num pacto de silêncio reservado aos bastidores da política.

No meio de toda esta turbulência, não temos dúvidas de que os governos não souberam evitar a crise financeira, e assalta-nos por isso o desejo de punir aqueles que elegemos, e que afinal não estiveram à altura da sua missão. Mas temos medo. Temos medo pelo presente e pelo futuro, mas estamos muito perto de perder esse medo. Que alternativa temos para garantir a democracia senão continuar a votar e a acreditar nas pessoas, mesmo reconhecendo que falharam a sua missão? Não falhámos também nós enquanto cidadãos, abdicando de uma participação cívica vigilante e activa?

Os cidadãos começam a perceber que se afastaram demasiado do debate político, e que só uma participação cívica activa pode mudar o actual rumo. Não haverá dimensão humana nas politicas públicas sem uma maior aproximação dos cidadão da política. Perdendo-se o espaço de cidadania, de intervenção e discussão pública da actividade do Estado, perde-se justamente o espaço natural para fecundar uma acção política diferente, aquela que todos desejamos, em que o exercício do poder se deixa orientar pelo valor da dignidade humana.

Sugerir correcção
Comentar