O gato que virá

Precisamos de gatos: de uma gata ou de uma gato que seja. É uma falta familiar. É uma falta de DNA. É uma falta de convívio.

Havia três gatos que nos tinham – o Agostinho, a Marieta e o Casimiro – e agora chega o primeiro Outono e não há um que nos tenha. Os dois primeiros, persas, morreram e o terceiro, lisboeta, mudou-se, de livre vontade, para uma vizinha nossa que, ao contrário de nós, não mudou de casa.

É estranho, triste e libertador viver sem gatos. Fazemos o que queremos. Nunca pensamos no dia de amanhã. Mas aquilo que fica do que nos deixaram (que vai, muito além das saudades, até a expectativa irracional de encontrá-los) é a falta vitamínica e teológica de um gato nas nossas vistas interiores e exteriores.

Um gato reduz-nos à nossa humildade. Mostra-nos que o amor, a necessidade, o prazer, a dependência e o divertimento são negócios em que ambas as partes podem ganhar.

Pois é. Precisamos de um gato. Os ratos da nossa casa estão a erguer pirâmides de pedrinhas em todos os cantos. Nada temos contra os ratos e esperamos que um futuro gato partilhe, caso for bem alimentado, a nossa tolerância.

Os seres humanos, que amam cães, gatos e cavalos, inventam utilidades para disfarçar e diluir esse amor.

No caso dos gatos  que, falando tecnicamente, são mais exigentes do que os cães na troca de afectos e utilidades – a única diferença (e a maior saudade) é cada um ser mais diferente um do outro do que de outros bichos.

Precisamos de gatos: de uma gata ou de uma gato que seja. É uma falta familiar. É uma falta de DNA. É uma falta de convívio.

É uma falta de vida.

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