O candidato a Presidente do Livre

O Livre/Tempo de Avançar veio complicar o quadro presidencial em que o PS se irá mover.

A gravidade da situação política europeia quase impede que a restante realidade seja digna de atenção, mas, apesar da tensão entre a Europa e a Grécia dominar a semana, há fenómenos que, mesmo referindo-se a um pequeno universo, importa registar e analisar, pelo que influenciarão no futuro da política portuguesa. Refiro-me ao referendo que o movimento Livre/Tempo de Avançar realizou no passado sábado para decidir sobre o seu apoio a um candidato a Presidente da República.

É importante salientar que o Livre tem o mérito de procurar reformular mecanismos de relação entre as forças políticas representativas nas democracias contemporâneas, os partidos, e os cidadãos. E tem inovado na gestão desse relacionamento, nomeadamente através de realização de primárias que dão aos cidadãos um poder de decisão e que permitem complementar os mecanismos da democracia representativa com mecanismos de democracia participativa.

O Livre teve ainda o mérito de procurar romper com o sectarismo que tem dividido a esquerda portuguesa e procurado abrir espaço para alianças de governo à esquerda — se bem que as divergências internas no seio da aliança eleitoral que o Livre fez com o Manifesto sejam claras. Por um lado, Rui Tavares mantém a renegociação da dívida como central (i, 29/06/2015). Por outro, Ana Drago deixou-a cair como questão central e incontornável para um programa de governo (PÚBLICO, 20/06//2015).

Por muito que o Livre esteja a trazer à política portuguesa, a verdade é que o referendo sobre o candidato presidencial surge antes de tempo. Até Janeiro, quando se realizam as eleições presidenciais, muita água vai correr debaixo das pontes. E a realização de eleições legislativas no início de Outubro condiciona o tipo de cenários políticos em que se irá desenvolver a campanha para eleger o próximo Presidente. Só que o Livre/Tempo de Avançar parece ter ânsia de protagonismo e precisa de se afirmar politicamente de forma a ganhar visibilidade para as eleições legislativas, em que se estreia com a ambição de eleger deputados e até influenciar ou participar num governo.

O resultado da consulta foi claro. No escasso universo eleitoral deste referendo, que se ficou pelos 867 votos válidos, 87,1% foram a favor de António Sampaio da Nóvoa. Assim, Sampaio da Nóvoa é agora o candidato apoiado pelo Livre/Tempo de Avançar e este é o primeiro partido a apoiar a candidatura presidencial do antigo reitor da Universidade de Lisboa.

Este facto pode parecer irrelevante, mas poderá vir a ter uma influência decisiva no que diz respeito à dimensão dos apoios que Sampaio da Nóvoa venha a ter e, consequentemente, no peso eleitoral que ganhará nas urnas. Expliquemos: é evidente que o facto de o Livre/Tempo de Avançar ser o primeiro partido a apoiar Sampaio da Nóvoa vem dificultar, se não mesmo impossibilitar, que o PS venha a apoiar formalmente este candidato. Sob pena de o PS ser apontado como um partido que apoia um candidato em segundas núpcias e até de andar a reboque do Livre/Tempo de Avançar.

Assim, ao resolver o problema próprio de conseguir ganhar visibilidade para as legislativas, o Livre/Tempo de Avançar veio complicar o quadro presidencial em que o PS se irá mover. Agora, a direcção do PS tem de lidar com o facto de que este é já o candidato apoiado por outro partido. Isto, para além das divergências internas sobre que candidato apoiar, em que é evidente a incomodidade que o nome de António Sampaio da Nóvoa gera em alguns sectores do PS, a começar dentro do secretariado nacional, em que Sérgio Sousa Pinto foi o "não" mais brusco e frontal, mas em que há outras figuras que não se revêem no estilo do ex-reitor da Universidade de Lisboa que é visto como muito radical, até demasiado anti-sistema.

É conhecida a possibilidade de surgirem outros candidatos que possam vir a ganhar o apoio socialista. A antiga ministra da Saúde e da Igualdade, ex-presidente do PS e deputada Maria de Belém Roseira é um nome que tem sido avançado por alguns sectores do partido, nomeadamente por ex-dirigentes próximos de António José Seguro, como é o caso de Miguel Laranjeiro. Por outro lado, o nome do antigo ministro da Educação e das Finanças, ex-deputado e presidente do Tribunal de Contas, Guilherme d’Oliveira Martins, tem ganhado peso dentro e fora do PS.

António Costa já garantiu que antes das legislativas não há decisões presidenciais. Quando se torna cada vez mais improvável um apoio oficial do PS a Sampaio da Nóvoa, resta esperar para ver se o PS vai dividir-se em mais de uma candidatura, como aconteceu há dez anos, e até se não vai apoiar ninguém oficialmente, como admitiu já o presidente do partido, Carlos César

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