Granada em sala fechada

Há pouco mais de um ano publiquei um artigo, em co-autoria com o eurodeputado verde alemão Sven Giegold, que revia o historial de atrasos e esvaziamentos a que o governo alemão conduzira a legislação europeia sobre a União Bancária.

A conclusão era a seguinte: “só podemos rezar para que não haja uma grande falência bancária durante os próximos dois anos”. Sven Giegold, ativista da ATTAC e legislador dos cortes nos bónus dos banqueiros, tem a ventura de ser protestante. Para mim, rezar era mesmo só metáfora — e por azar, foi a Portugal que saiu a fava.

Se a União Bancária tivesse sido completada e antecipada, como desejávamos — e como trabalhou a portuguesa Elisa Ferreira para que sucedesse — talvez a relação viciosa entre bancos e estados tivesse sido quebrada a tempo para Portugal evitar sérias consequências no caso BES. Mas, no calendário em que sucedeu, nós portugueses arriscamo-nos a ser uma das primeiras presas da crise e uma das últimas vítimas da banca em versão nacional.

É que rezar não chega, e foi isso que toda a gente andou a fazer. Ricardo Salgado, fazendo girar o carrossel de dinheiro e dívidas entre banco e empresas do grupo familiar, entre Portugal e paraísos fiscais, esperando que a girândola não explodisse com demasiado espectáculo. Carlos Costa, do Banco de Portugal, esperando que a nesga de porta por onde entrevia a situação dos bancos fosse suficiente para a supervisão que era suposto fazer — não era, e acabou por admiti-lo em agosto passado, quando disse que em casos destes só se dá conta do que se acontece dentro do banco quando já é tarde demais. E o governo, ocupado com a reta final do mandato e de olhos postos na eleições, ansiando por que entrasse em vigor o segundo pilar da União Bancária, o Mecanismo Único de Resolução, em janeiro de 2015 (e, integralmente, apenas em janeiro de 2016). Quando, a meio do Verão, disseram a Portugal e ao mundo o que iriam fazer com o Banco Espírito Santo, era ainda este conveniente estado de alma que imperava.

Nós sabemos o que é uma batata quente, mas parece não chegar para descrever o que se passa aqui. Desde o início que os portugueses pressentem que o BES é uma granada desencavilhada, à espera de explodir. Vê-se nos trejeitos que as pessoas fazem quando falam no assunto. E os acontecimentos deste fim-de-semana, em que a nova administração do Novo Banco se demitiu sem explicações cabais e foi já substituída pela novíssima administração desta já velha história, não contribuem para deixar ninguém descansado.

Cada um dos atores principais parece querer resolver o seu problema, mas não o problema em si. O governo quer fingir que cumpre com o défice e com a sua promessa de não onerar o contribuinte, e passar o banco o mais depressa possível. O banco central, por cuja independência costumam jurar os comentadores encartados, parece ser apenas um peão da estratégia do governo, se é que se lhe pode chamar isso. A nacionalização do banco foi excluída, não por razões pragmáticas, mas políticas. E, na ausência de união bancária, o que se passar aqui por aqui fica, nesta sala pequena e fechada a que se chama Portugal.

Toda a gente finge que não há perigo, e tenta passar a granada para as mãos do próximo. Dada a pressa, já não deve demorar muito a rebentar.

 

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